terça-feira, 11 de novembro de 2014

Qual a moral da maconha?

 QUAL A MORAL DA MACONHA?


Os estupros no Brasil cresceram 18% no ano de 2012 (http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/11/casos-de-estupros-crescem-18-no-pais/ ). Na Índia também, o que é intrigante (http://www.alem-mar.org/noticias/EFVlukFyuyaxEycDSL.html ) dada as diferenças entre os dois países, e também dadas as semelhanças. Sociedades que mudam de rurais pra urbanas muito rapidamente, que abandonam o seu passado moral para uma nova moral mais do consumo e do prazer sem consequências, mais egoísta? O enriquecimento dos emergentes tem conexão com essa imoralidade? De qualquer forma, não acredito que ninguém tenha dificuldades de concordar que o interdito ao estupro é um interdito “moral”.
O fato de o estupro estar sendo mal reprimido pelas forças jurídico/policias, contudo, não leva ninguém a pedir a sua “legalização”. Na discussão da “legalização” da droga muito se fala que deve ser liberada pois a guerra ao tráfico falhou. Mas a guerra a violência sexual também falhou, e felizmente ninguém pensa em afrouxar a legislação sobre o tema.
O argumento de ineficiência da guerra tem que ser melhor visto. Países desenvolvidos gastam fortunas e Nova York tem uma política de sucesso na diminuição do consumo de crack. (http://veja.abril.com.br/noticia/saude/nova-york-tambem-teve-sua-cracolandia-e-conseguiu-acabar-com-ela ). É baseada muito na repressão e na polícia, ainda que não só, o que poderia explicar seu sucesso. No Brasil a política de combate de drogas é um fiasco, como de resto qualquer política pública, todas elas. Então não vale como argumento, temos um estado charlatão: o que ele se propõe a fazer, faz mais marketing que ação, e faz mal o que for: cadeias, hospitais, políticas de saúde mental antigas ou alternativas, albergues para mendigos. Aqui é o que li outro dia como o fim do estado no imperativo do marketing.
Mas o ponto nem é quais políticas públicas são eficientes, qual estado vai melhor no combate da epidemia de crack, ou de que droga for. O ponto é que não existe legislação, seja permitindo, seja criminalizando, que não tenha antes um juízo moral. Legalizar é decorrente de um juízo moral e criminalizar é decorrente de um juízo moral. Exatamente como no caso do estupro, do aborto. E de uma moral média, obviamente que não de uma moral de cada um. Caso contrário, se eu tenho um apetite sexual um pouco maior, minha moral me permitiria, pelo óbvio, avanços maiores sobre o corpo dos outros, “pois eu tenho minha moral sobre o tema do sexo”.
Médicos não são chamados a legislar. A medicina pode informar sobre o malefício do colesterol e sobre os números de epidemia da obesidade infantil, mas não deve e não lhe toca propor uma lei que proíba alimentos gordurosos ou doces nas cantinas escolares. Obviamente que um endocrinologista infantil não vai falar no Jornal do Almoço bem de legalizar o “baiconzitos” na cantina do colégio Anchieta. A sociedade, e não os médicos,  é que deve se entender sobre o tema.
Mas claro que a saúde é um tema moral, não de um higenismo regulador dos médicos, perseguindo fumantes ou obesos. Mas viver mais é uma coisa boa, e morrer alcoolista é uma coisa moralmente ruim. O que os legalizacionistas estão propondo é uma discussão jurídica sem passar pela discussão prévia moral. Pelo fato de a moral ser obviamente pessoal, é como se cada um faça o que bem entender. Esse “liberalismo” esta a serviço de não discutir as seguintes perguntas éticas: “fumar maconha é bom?”. “Até onde consigo ser recreativo sem me tornar dependente?” “Me tornar um dependente químico é certo/bom para comigo?” “Devo correr riscos de dependência, que é um risco evitável se eu não fizer uso recreativo?” “O prazer é uma verdade em si mesma, independente das consequências de transar sem camisinha?” “Fodam-se as consequências?”.
E a discussão moral de usar drogas é um tema de difícil abordagem, em especial pois a moral é diferente conforme o usuário seja recreativo, conforme seja dependente. Na verdade, o sentido moral de um baseado, é mesmo o oposto na mão de um usuário recreativo do que na mão de um usuário dependente. Um mesmo copo de cerveja é uma arma para o segundo, e uma bela diversão para o primeiro. Mesmo um vídeo-game, na mão de um usuário dependente é um problema, e não existe qualquer legislação que proíba o uso de video-games.
Aí reside a grande confusão moral do tema: para um recreativo, a droga é uma liberdade e uma opção. Seus valores morais sobre liberdade e diversão são muito prós. Também a sociedade mais moderna é muito favorável tanto a liberdade quanto ao prazer. Eu diria que um pouco favorável demais ao prazer, uma sociedade inebriada e que cultua o prazer como a única verdade. Mas favorável.
Já o dependente químico o que perde, como o nome está dizendo, é a liberdade. A doença é justamente a perda da liberdade. Não acho que muitas pessoas estão dispostas a achar moralmente certo a doença da drogadição: ela costuma nos causar estarrecimento e horror. Acho que a maioria das pessoas está disposta a ser firme com um dependente no sentido de não ter acesso a droga, inclusive a vítima. Vi um sujeito que vive fazem 4 anos em uma fazenda religiosa, ele tem 60 anos e veio me pedir um atestado de incapacidade permanente. Ele me contou sua vida: nem eu, nem eles temos dúvida de que ele tem uma incapacidade permanente com sua liberdade de ir e vir. A história do sujeito morto no parlamento do Canadá outro dia repete novamente essa dificuldade que é a liberdade para um dependente pesado.  
O ponto complicado de legislar sobre droga é que o primeiro sujeito, o estudante de humanas com suas certezas denuncistas sobre a falência do modelo de repressão às drogas e que fuma no final do dia um baseado, e o segundo senhor de 60 anos não são o mesmo sujeito. Ou pelo menos 40 anos os separam, se forem o mesmo, mas concordo que não são. Portanto a repressão e o paternalismo jurídico é um absurdo com nosso jovem, e uma necessidade com nosso velho.
Deve a legislação universalizar os cuidados para quem precisa e para quem não precisa, de forma igual? Um primeiro ponto é que o jovem não se transformaria no velho se fosse um não usuário. Mas e todos que usam recreativamente e não ficam dependentes? No caso da maconha, 80% dos usuários diários de um baseado não são dependentes da droga. Mas 20% o são. E sair dessa dependência é uma coisa muito penosa e de pouca chance de êxito. Como num labirinto, é muito fácil e depende do livre arbítrio entrar, mas não sair.
Acredito que a legislação, portanto a discussão moral que antecede a decisão de legalizar ou criminalizar, deve se ater no dependente. O estado não tem que ter leis para o usuário recreativo. Para o dependente a proibição é o certo, já que ele por ele, não consegue parar e, como já vi, morre. Quando formos falar em moral do uso de drogas, temos que falar do uso dos dependentes apenas. A lei será para eles, que nem são tão poucos: um percentual de 10% dos homens são alcoolistas. E nesse setting da dependência a repressão e proibição é o moralmente mais correto. Uma grade na janela para uma pessoa que não pensa em se jogar pela janela é uma coisa indiferente. Para um suicida, salva sua vida. Não consigo imaginar, se tenho um parente/paciente com risco de suicídio, o “liberalismo” de um quarto sem grades, em que ele “escolha” o que deseja fazer.  Isso não seria apenas “errado”, seria maldade. No caso do médico, seria um má práxis, um erro médico, ele perderia seu diploma, pelo menos nos EUA onde isso é cuidado melhor.
Por fim, não estamos discutindo criminalizar a droga, pois isso ela já o é. Estamos discutindo legalizar seu consumo. Do ponto de vista moral, portanto, a pergunta anterior a legislar é: “no contexto de um país com uma epidemia de drogas, a oferta hoje não livre de entorpecentes para os dependentes, deve ser oficialmente mudada para ad libitum?” (considerando que o ad libitum aqui é morrer). Acho que isso não é muito humano nem nada moral. Acho que isso é um crime, mas quem tem que achar é o povo que vai votar um referendum sobre a legalização das drogas, ou seus representantes no legislativo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores