terça-feira, 11 de novembro de 2014

Como assim "narrativas"?


A academia é um mundo incrível! Falando à rádio BandNewsFM sobre o conflito Hamas X Israel, um professor da Universidade Pública UFRJ, professor Michel Gherman, nos diz que entre os dois lados da contenda, tudo são “narrativas”. Quem não o escutou no rádio, pode pegar as idéias principais em um artigo escrito pelo acadêmico no seguinte link (http://coletivojudaico.wordpress.com/2013/10/10/conflito-israelo-palestino-e-de-narrativas-historicas-nao-de-essencias-diz-michel-gherman-no-ciclo-israel-e-o-mundo-em-sao-paulo/)  Abaixo, para que fique evidente os conflitos de interesse do pesquisador, cito seu curriculum(1), o que apenas nos sugere que sua aparente imparcialidade ("os dois lados fizeram o mesmo"), estranha imparcialidade para um tema de" genocídio", é fruto de sua visão pró Israel do conflito. Perguntado pela entrevistadora sobre juízos de valores diante da ação de Israel, o professor responde com a charmosa idéia de que não cabem juízos de valores, que “tudo são narrativas, com sua lógica particular, ambas narrativas corretas, tanto a do Hamas, quanto a de Israel, e que apenas são narrativas excludentes, porém ambas correta”.

Mas a indignação da comunidade internacional, incluindo uma inédita e bem vinda posição de nossa presidente, referente principalmente a morte de 400 (data de 9 de agosto de 2014) crianças palestinas, seria por causa de uma narrativa? É moda essa postura da academia, e também da política, de reduzir, confundir, ação e “narrativa”. Também é uma tentação, imaginar que “narrativas” estariam a salvo de juízos de valor. Não podemos ser contra um conto de Poe, uma narrativa, que está protegida de julgamentos: um conto de Poe é uma ficção.  

O projeto acadêmico é claro: se de narrativas corretas se tratam as posições de Israel e do Hamas, sua parte “real” é negada, suas ações objetivas sobre a realidade, é menos “objetiva”. O que estamos enfrentando com esta fase do pensamento nacional, um movimento "narrativista", um pensamento não restrito ao ponto desta abominável ação Israelense, é mais grave: é uma suspenção da realidade. E sem a "realidade", uma decorrente suspenção da moral e do juízo de valor, já que sobre “irrealidades” narrativas não cabem julgamentos, uma vez que “nem se sabe se existiram as condutas”. Onde o real é ficção, o julgamento já não cabe. O fim do "real", traz também em si a obsolência da moral. Se estamos vivendo narrativas, tudo é opinião.

Não sou dos que me inclino a concordar com o projeto. Vemos o mesmo projeto na boca dos governistas: “malfeitos” como o mensalão já não são mais delitos transitados em julgados, e portanto “fatos”: antes são versões da PIG interessada em não deixar uma administração “popular” mudar o país. A narrativa de Lula, é que um dia poderá mostrar a “farsa” do julgamento do mensalão.  

Acredito que existam narrativas, mas também acredito na realidade, no juízo de valor, e sobretudo na diferença importante entre ato e idéia. O nazismo, para voltar ao primeiro campo, é sim uma narrativa. Que não caibam juízos de valor, julgamentos éticos ou proibições da difusão de ideias nazistas é discutível, mas já devidamente tipificado em nossas rotinas jurídicas. Mas escrevo essa carta ao professor Michel para lhe fazer uma outra pergunta que me inquietou todo o tempo que escutei sua entrevista: se a matança de crianças que o estado de Israel promoveu em julho em Gaza é apenas “uma narrativa”, o que o senhor diria que foi o Holocausto judeu? Outra narrativa? O senhor chega a perceber o quanto o sr se parece, provavelmente sem desejar, com Ahmadinejad – presidente do Irã que dizia que o holocausto é um discurso- com esse seu “momentoso” embrulho empulhador das “narrativas”?

Quanto a impossibilidade de julgar narrativas, de fazer um julgamento moral dos discursos “corretos em si”, também aproveito para lhe dizer que um pedófilo, com seus atos inquestionavelmente censurados pela moral corrente, tem lá, no seu computador e na sua mente, todo um conjunto de “narrativas”, o que não vai impedir o agente da Polícia Federal de prende-lo.  Nem sei se no Brasil só é possível prender um pedófilo apenas pelos seus atos ou, como vimos no Reino Unido em Junho, se é possível prende-lo também pelas suas "narrativas" armazenadas no computador. É uma outra discussão se já podemos prender “narradores”, ou apenas podemos prender “atores” de atos abomináveis, contudo. Nosso tema é que narrativas são narrativas, e assassinatos precisam ser algo mais que narrativas, pela segurança do nosso contrato social.

 Felizmente o judiciário não escutou apenas narrativas dos petistas injustiçados e prendeu atores do mensalão na Papuda. Passar o resto da vida esbravejando contra essa “mentira” é sim um direito do preso, mas não do juiz.  O lugar de certas narrativas (como a da pedofilia, a do nazista, a do racista) ainda é na Papuda, sr Michel, e o que Israel, e não o Hamas, promoveu em Gaza foram mortes. Como médico, eu ainda creio na realidade, na objetividade, na ”verdade”, na concretude de tudo, e em especial da morte. Como ser moral eu lhe digo, do alto da minha ignorância não acadêmica: o que Israel promoveu, e o povo de Gaza não fez o mesmo ato, é “errado”. Sei que o senhor dirá que tenho direito as minhas narrativas, e sei que o senhor dirá que “estou certo, na minha lógica” já que tudo pode. E me sinto feliz de entender que apenas eu tenho o direito de dizer que o senhor esta errado sobre a matança premeditada de crianças palestinas em escolas.


(1)    Sr Michel GHerman. Possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrado em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel). Atualmente é professor da UFRJ, onde coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ).

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