A academia é
um mundo incrível! Falando à rádio BandNewsFM sobre o conflito Hamas X Israel,
um professor da Universidade Pública UFRJ, professor Michel Gherman, nos diz
que entre os dois lados da contenda, tudo são “narrativas”. Quem não o escutou
no rádio, pode pegar as idéias principais em um artigo escrito pelo acadêmico
no seguinte link (http://coletivojudaico.wordpress.com/2013/10/10/conflito-israelo-palestino-e-de-narrativas-historicas-nao-de-essencias-diz-michel-gherman-no-ciclo-israel-e-o-mundo-em-sao-paulo/) Abaixo, para que fique evidente os conflitos
de interesse do pesquisador, cito seu curriculum(1), o que apenas nos sugere
que sua aparente imparcialidade ("os dois lados fizeram o mesmo"), estranha imparcialidade para um tema de" genocídio", é fruto de sua visão pró Israel do conflito. Perguntado pela
entrevistadora sobre juízos de valores diante da ação de Israel, o professor responde com a
charmosa idéia de que não cabem juízos de valores, que “tudo são narrativas,
com sua lógica particular, ambas narrativas corretas, tanto a do Hamas, quanto
a de Israel, e que apenas são narrativas excludentes, porém ambas correta”.
Mas a
indignação da comunidade internacional, incluindo uma inédita e bem vinda
posição de nossa presidente, referente principalmente a morte de 400 (data de 9 de
agosto de 2014) crianças palestinas, seria por causa de uma narrativa? É moda essa postura
da academia, e também da política, de reduzir, confundir, ação e “narrativa”.
Também é uma tentação, imaginar que “narrativas” estariam a salvo de juízos de
valor. Não podemos ser contra um conto de Poe, uma narrativa, que está
protegida de julgamentos: um conto de Poe é uma ficção.
O projeto
acadêmico é claro: se de narrativas corretas se tratam as posições de Israel e
do Hamas, sua parte “real” é negada, suas ações objetivas sobre a realidade, é
menos “objetiva”. O que estamos enfrentando com esta fase do pensamento
nacional, um movimento "narrativista", um pensamento não restrito ao ponto desta abominável ação Israelense,
é mais grave: é uma suspenção da realidade. E sem a "realidade", uma decorrente suspenção da moral e do juízo de valor, já que
sobre “irrealidades” narrativas não cabem julgamentos, uma vez que “nem se
sabe se existiram as condutas”. Onde o real é ficção, o julgamento já não cabe. O fim do "real", traz também em si a obsolência da moral. Se estamos vivendo narrativas, tudo é opinião.
Não sou dos
que me inclino a concordar com o projeto. Vemos o mesmo projeto na boca dos
governistas: “malfeitos” como o mensalão já não são mais delitos transitados em
julgados, e portanto “fatos”: antes são versões da PIG interessada em não deixar
uma administração “popular” mudar o país. A narrativa de Lula, é que um dia
poderá mostrar a “farsa” do julgamento do mensalão.
Acredito que
existam narrativas, mas também acredito na realidade, no juízo de valor, e
sobretudo na diferença importante entre ato e idéia. O nazismo, para voltar ao
primeiro campo, é sim uma narrativa. Que não caibam juízos de valor,
julgamentos éticos ou proibições da difusão de ideias nazistas é discutível,
mas já devidamente tipificado em nossas rotinas jurídicas. Mas escrevo essa
carta ao professor Michel para lhe fazer uma outra pergunta que me inquietou
todo o tempo que escutei sua entrevista: se a matança de crianças que o estado
de Israel promoveu em julho em Gaza é apenas “uma narrativa”, o que o senhor
diria que foi o Holocausto judeu? Outra narrativa? O senhor chega a perceber o
quanto o sr se parece, provavelmente sem desejar, com Ahmadinejad – presidente
do Irã que dizia que o holocausto é um discurso- com esse seu “momentoso”
embrulho empulhador das “narrativas”?
Quanto a
impossibilidade de julgar narrativas, de fazer um julgamento moral dos
discursos “corretos em si”, também aproveito para lhe dizer que um pedófilo,
com seus atos inquestionavelmente censurados pela moral corrente, tem lá, no seu
computador e na sua mente, todo um conjunto de “narrativas”, o que não vai
impedir o agente da Polícia Federal de prende-lo. Nem sei se no Brasil só é possível prender um pedófilo apenas pelos seus
atos ou, como vimos no Reino Unido em Junho, se é possível prende-lo também pelas
suas "narrativas" armazenadas no computador. É uma outra discussão se já podemos
prender “narradores”, ou apenas podemos prender “atores” de atos abomináveis,
contudo. Nosso tema é que narrativas são narrativas, e assassinatos precisam ser algo mais que narrativas, pela segurança do nosso contrato social.
Felizmente o judiciário não escutou apenas narrativas dos
petistas injustiçados e prendeu atores do mensalão na Papuda. Passar o resto da
vida esbravejando contra essa “mentira” é sim um direito do preso, mas não do
juiz. O lugar de certas narrativas (como
a da pedofilia, a do nazista, a do racista) ainda é na Papuda, sr Michel, e o
que Israel, e não o Hamas, promoveu em Gaza foram mortes. Como médico, eu ainda
creio na realidade, na objetividade, na ”verdade”, na concretude de tudo, e em especial da morte. Como
ser moral eu lhe digo, do alto da minha ignorância não acadêmica: o que Israel
promoveu, e o povo de Gaza não fez o mesmo ato, é “errado”. Sei que o senhor
dirá que tenho direito as minhas narrativas, e sei que o senhor dirá que “estou
certo, na minha lógica” já que tudo pode. E me sinto feliz de entender que apenas eu tenho o direito de dizer
que o senhor esta errado sobre a matança premeditada de crianças palestinas em
escolas.
(1) Sr
Michel GHerman. Possui graduação em História com licenciatura em Educação pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrado em Antropologia e
Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel). Atualmente é
professor da UFRJ, onde coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos
(NIEJ).