sexta-feira, 21 de junho de 2013

Não me tirem meu chambinho, exijo um smartphone bom, um colégio fraco e quero fumar maconha: e polícia, vai tomar no cu”


Foto Michal Cortez em Sul21
 
“Não me tirem meu chambinho, exijo um smartphone bom, um colégio fraco e quero fumar maconha: e polícia, vai tomar no cu”

As coisas são muitas vezes exatamente o que parecem ser. Portanto não precisamos ver explicações ocultas, grupos que manobram, influências da CIA na política nacional, ação da Abin em saques para queimar o movimento insurgente em curso no país. Antes de conspiração da direita, do que ingenuidade dos jovens, o que as fontes primárias ( o que escreve e diz o jovem mesmo) falam do significado do seu movimento.

                Em primeiro lugar o elenco dos alvos, o que é de uma constância didática e clara: são os inimigos, em Porto Alegre os políticos, mais do âmbito municipais que dos demais âmbitos. Os vereadores e o prefeito são mesmo alvos que todos concordam. O governador e a Dilma? Também, mas menos. A concentração é sempre diante da prefeitura, não do apartamento da Dilma em Porto Alegre, nem do palácio Piratini.

                Os partidos? Sim, mas apenas mais recentemente, em particular na manifestação do dia 20, mas não nas anteriores. No dia 20 há o contexto dos partidos quererem se “colar” para obterem dividendos, o que convenhamos, os jovens estão certos: é muito irritante. Em particular o PT. O PT não pode esquecer de que a pedra virou vidraça, em dez anos de governo. Seus membros são sexagenários, é natural que não representem mais os impulsos de pessoas com menos de 20. Exatamente como acontecia quando estes mesmos petistas hoje “no sistema”, tinham seus vinte anos. Pode ser repulsivo para um membro do petismo perceber, mas hoje eles são os “odiosos neo-liberais, os FHCs” desses jovens. E daí? Os jovens são “de direita” pois os petistas deixaram de ser jovens e progressistas? Não sejamos injustos, temos que escutar o que os espelhos ( e nossos DNI ) nos gritam todos os dias. E as ruas também.

                Que outros “inimigos” os jovens elegeram, de forma bem clara? Afora o poder municipal, o PT quando quer se passar por pedra sendo vidraça, que outros inimigos? uma lista que seja inclusiva seria a seguinte. A) a imprensa, em particular a monopolista no Rio Grande. B) os empresários de ônibus, e seu conluio óbvio com o poder público e com parte do judiciário. C) A polícia, em especial a truculenta. D) o automóvel, e sua força política de tomar o trânsito e E) alguns bancos. F) A copa e os serviços públicos, em especial os sociais, e aqui o governo federal. G) a falsa promessa de redenção social na  mão de líderes, que foi uma decepção em dez anos do PT. H) alguma porção do movimento contempla temas da neo-política (Alimentação vegetariana, uso de bicicletas, algo de ecologia e um tanto de temas da sexualidade não heterosexual). Mas estes já não seriam temas centrais.

        Os jovens possuem linguagem e demandas pós-modernas. O sistema, ainda que se pretenda uma renovação (sim, é curioso, mas o sistema de fato acredita que mudou o país nestes 10 anos), é uma renovação com pautas não pós-moderna, ou, com risco de imprecisão, com pautas modernas (no sentido de opostas ao pós-moderno).

                Curiosamente os jovens não tem bronca com a igreja, nem com os ultra-ortodoxos fundamentalistas da cura gay. Poupam os ricos, seus carrões de mais de cem mil reais. Calam diante do crack, do poder criminal e de terror dos traficantes, da violência urbana. Evidentemente são coniventes do poder de gerar dependência química da maconha, fato que inclusive negam. Nenhum jovem se incomoda com o consumismo, os shoppings, nenhum macDonads depredado, nenhum mal estar com americanos, nem com chineses (provavelmente os maiores responsáveis pela decadência da economia atual no nosso país) nem com o monopólio da soja sobre a política, a desindustrialização. Não querem saber de política internacional ( o Itamaraty parece ter sido mais um alvo fácil que específico, ainda que sua posição na Síria e na Líbia, tenha merecido pelo menos um ovo). Pouco olham para especulação imobiliária que passou a financiar a política municipal. Os jovens não quebraram nada dos ricos do país, bastante favorecidos e coniventes com o sistema.

                De aliado do movimento, ou temas que os jovens são favoráveis, apenas as redes sociais. Ou, buscando o mínimo denominador que seja comum a todos os envolvidos, o ponto que simultâneamente a maioria se encontra.  Este movimento é o primeiro nacional do mais novo poder (o quinto, ou sexto, não sei bem), o facebook, twitter e instagram.

                Assim, acredito que o movimento (e faço o estudo de caso só de Porto Alegre, pois sabemos o quanto RJ e muito mais ainda SP, é sempre outra coisa) não é um movimento que tenha dificuldades de identidade. Sabe exatamente o que odeia. Cala para uma porção de mazelas do país. Acho que o movimento nos diz mais sobre o que não denuncia, do que sobre o que denuncia. O movimento nada fala contra as drogas, o que é lamentável. É um “movimento por hospitais”, mas me parece muito mais para achar um sentido pra si, pois na verdade, dos inimigos enumerados, o mais irritante é a polícia.

                Jovem não gosta de ser contrariado. Ainda mais este nosso, criando como filho único e acostumado a um poder no microcosmos da família que não inclui frequentemente lidar com o não. Os país destes moços fizeram de tudo para dar tudo para eles. E eles tem tudo, graças ao governo petistas que abandonou os pregressos sociais de escola e hospitais para dar ao jovem estádios e shoppings. O Lula também mimou a meninada: com um escola meia boca que não precisa estudar, jovem não precisa de hospital, deu a eles um telefone com rede social e doses altas de hedonismo, em parte graças ao milagre de produtos chineses baratos. Os meninos vinagres foram criados com yogurte e pouco estudo. Inclusive pois não vale a pena: salários de mais graduados caiu 8% e de quem não estudou tanto subiu 32% nos ultimos 10 anos.  O que essa moçada nunca ouviu falar foi a palavra inflação, comedimento, falta. Viveram como novos ricos. Mas o que o FHC curou no Brasil, os petistas negligenciaram, e a inflação voltou. Subiram os preços das passagens! E dos tomates! O medo de ser expulso do shopping chinês e do smartphone aditivo não é irreal, é bastante concreto. Quem não tem grana não participa da festa dos shoppings e do consumismo. A alta dos preços lembrou a meninada de quem eles são filhos: de pessoas mais empobrecidas, e de que é bem possível que eles tenham que abrir mão do mimo exagerado do consumismo.

                O grito desta meninada é bem óbvio, e esta de fato desconectado de bandeiras de esquerda, sendo resumido no seguinte: “nem pensem em me tirar o meu chambinho”. “queremos transporte público mais lento para que possamos tuitar nas viagens”. O que os moços querem é óbvio: querem seguir podendo ser sócios dos shoppings. E Dilma já sabe que daqui pra frente, esse eldorado de pequenos desejos de consumo, esta cada vez mais ameaçado? Os vinagres sabem.  

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Por Quem as Árvores Choram?


 
Por quem as árvores choram?

Muitas pessoas em Porto Alegre tem o desejo de vir de forma fluida para o centro em seu carro particular, encontrar estacionamento abundande, e portanto barato, e voltar no final do dia para o bairro sem tranqueiras de trânsito. Estas pessoas são do partido da derrubada de árvores pelo progresso, do alargamento indefinido de avenidas, e do prefeito José Fortunati. O desejo é legítimo, só que irrealista, impossível de ser atendido.

                Existe um cenário de saturação de carros na cidade e o ponto de saturação já chegou. Não há mais como remediar, agora é o ponto de não dá mais. É mentira do prefeito fazer remendos viários para seguir atendendo o desejo de vir de carro para o centro. Na verdade, satisfazer esse desejo irrealista, é uma irresponsabilidade e uma mentira.

                Estamos num ponto de esgotamento do modelo: do modelo do transporte particular para ir ao centro. O necessário é exatamente o contrário: frustrar esse desejo. Proibir estacionamento no centro, proibir todos os carros de circular no centro expandido, ou pelo menos alguns finais de placas, como em São Paulo. Como em Londres, mudar mesmo o planejamento urbano para tirar do centro atrativos profissionais e comerciais, levando esses atrativos para os bairros.

                Precisamos de outros modelos para circular dentro do centro: trens circulares, veículos elétricos públicos. Transporte em bicicleta ou mesmo em cavalos no centro. Para se chegar ao centro, transporte público de qualidade, que inclusive já existe, sendo as lotações um exemplo de conforto e rapidez.

                O estado não esta aí apenas para satisfazer desejos irresponsáveis e egoístas dos eleitores. Está também para por limites no que é um desejo irresponsável, inviável. Um pai que quer apenas ser popular não dá limites para os filhos, em particular para seus desejos mais arriscados e destrutíveis.  Mais do modelo de carros particulares é um desejo dos eleitores que não deve e não tem como ser satisfeito. Faltou a José Fortunati a coragem de dizer a verdade para os ricos mimados. Por interesse eleitoral? Sem dúvida.

                O ponto não é idealistas românticos que defendem árvores de forma poética. O ponto é que os práticos e progressistas estão completamente equivocados, e aprisionados em seu conforto do carro, se negam a ver a inviabilidade e a irrealidade de seu desejo de conforto. Pois ficar preso no engarrafamento não é conforto, ainda mais sem uma árvore para proteger do sol forte. No engarrafamento, toda a cilindrada é igual, e o pior: igual a zero!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Politizar a tragédia



Existem três frases que um funcionário relapso precisa saber para dizer na hora em que algum furo seu é descoberto: a)eu não vi nada; b)Não fui eu; c) já estava assim quando eu cheguei. Esse ensinamento que Homer Simpson passa para o pequeno Bart tem sido seguido por figuras do estado apanhados em atos ou omissões cabeludos. O mais tarimbado na receita do “se fazer de morto” é o Lula, que no meio do bordel – que inclusive ele era gerente- sempre figurava com um terço na mão, perdido em orações e outros pecadilhos mais terrenos, como agora sabemos.

                A tragédia de Santa Maria evidencia que o estado arrecada, mas não inspeciona. Extintores vazios nunca são pesados, portas inadequadas e fora da lei não são inspecionadas. Isolamento acústico inflamável, uso de fogos indoor, superlotação, falta de sinalização de incêndio, alvará caducado com a casa em pleno e exagerado funcionamento não foram vistos nem pelo corpo de bombeiros, nem pela SMIC de Santa Maria, caso exista uma secretária de indústria e comércio ou outra que o valha. 

                Segundo reportagem do Jornal Nacional na edição de 31 de janeiro 2013, o estado de São Paulo, na mão do PSDB fazem 20 anos, tem menores taxas de incêndio por ter fiscalização  e legislação mais rigorosas, após o incêndio do edifício Joelma. Só que em Porto Alegre tivemos o incêndio da Renner, e um governo do PSDB fraco e curto no RS, diferente dos governos paulistas. MAs é inegável que em São Paulo existe mais inspeção e menos incêndio, pois não há um apagão de seriedade como vemos no RS, celeiro de irresponsabilidade nesta semana de avalanches e tragédias.

 Ao contrário do que recomenda a sempre inadequada, imprecisa e confusa Zero Hora, precisamos sim politizar a tragédia de Santa Maria: impeachment do prefeito de Santa Maria é uma prioridade. Foi assim em Buenos Aires em incêndio análogo e assim tem que ser aqui, tanta morte não deve custar menos. Perda do mandato de toda a cúpula estadual dos bombeiros outra. Sem uma degola saudável estaremos estimulando gestores pelo Rio Grande afora a continuar curtindo “o verão numa boa” em Punta com dinheiro da inspeção de incêndio. Se nossos engravatados Homer Simpsons acham que vamos lhes tirar para compadre diante de tanto homicídio doloso, aquele em que –por não inspecionar- assumo os riscos que posso causar mortes, estão subestimando nossa indignação.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Escola petista de psiquiatria faz 20 anos e trata esquizofrenia com oficina de tricot e crochet em Porto Alegre: o que vem depois de desmedicalizar a psiquiatria.


Depois de dez anos no poder, os políticos do partido dos trabalhadores falam de seus programas ainda no tempo verbal do futuro, como se todo este tempo de real exercício de governo não tivesse passado. No caso das políticas de saúde mental, existem experiências políticas ainda mais antigas: em agosto de 2012, no Rio Grande do Sul, foram comemorados 20 anos de um projeto de lei, chamado de reforma psiquiatra, que foi uma iniciativa petista. Nestes 20 anos o PT esteve diversas vezes na prefeitura e no governo do estado do RS e pode implementar e corrigir o que bem desejou nesta “reforma psiquiátrica”: o resultado esta em Porto Alegre para qualquer brasileiro vir conhecer. De maneira que, caso o prefeito Haddad desejar além de criticar a política de CRACK do PSDB, desejar também propor algo, poderá vir aqui conhecer o que seu partido tem feito pela saúde mental em uma experiência de psiquiatria-petista que já tem 20 anos.

                E a experiência em Porto Alegre da chamada lei da reforma psiquiatra tem sido um desastre retumbante. Célere em fechar o leito manicomial (inclusive pois muito caro para o SUS), as chamadas políticas substituítivas não foram implementadas. Não há como atender uma crise de risco de suicídio em uma cidade de quase dois milhões de pessoas. Pacientes crônicos hoje não são mais abrigados em manicômios públicos: migraram para fazendas de fanáticos religiosos, andam na rua, morreram de tuberculose, estão nos presídios, ou em clínicas geriátricas privadas. Pior do que um manicômio público, fechado em boa hora pelos petistas há 20 anos, é um manicômio privado, com lucro para quem encarcera o doente mental e ganha com esta prisão.

                Na secretária de saúde do estado do RS petista estão trabalhando hoje todos os autores do denuncismo anti-manicomial. O PT faturou eleitoralmente muito com o denuncismo anti-psiquiatria. Mas fez pouco para substituir o modelo médico. Em Porto Alegre tem esquizofrênico sendo tratado em  oficinas de crochet. Não há qualquer estrutura de leito para emergências. É uma situação que mistura ideologia antimanicomial com o também impressionante desmonte local da rede SUS, para criar 20 anos de uma experiência que poderia bem ser denunciada ao tribunal de HAIA como genocídio. Um genocídio foucaultinano, mas nem por isso menos malvado. E um genocídio com agravante, pois perpretado contra uma sub-população mais indefesa e frágil.

                O Sr Haddad, antes de criticar as políticas de quem faz algo como o PSDB, ainda que não necessariamente correto,  e reeditar o denuncismo anti-psiquiatria de 20 anos atrás, deveria vir a Porto Alegre aprender com o seu próprio partido com uma experiência pavororsa que já cumpre amargos 20 anos de sangue e horror. Politizar a internação compulsória como ato de direita é covardia, é desconhecer a omissão de “esquerda” que já dura 20 anos no RS, se de esquerda podemos chamar um descaso com o humanismo que é a política de saúde mental gaúcha.

Vê-se que o governo federal, diante da epidemia de crack, lança no final de 2012 um programa que denomia de “crack, é possível vencer”: novamente me incomoda o tempo verbal. Por que não, depois de 10 anos no governo, um outro tempo verbal, como “teria sido possível vencer, não fora a prioridade ter sido a Rosemary”. Não é mais possível falar de políticas futuras em um governo que só tem mais 2 longos anos pela frente, e sobretudo, que tem 10 anos (Brasil) ou até 20 anos (RS) de estrada. E quem tem telhado de vidro, que não jogue pedra em quem esta trabalhando (com erros pela arbitrariedade sim, mas quem saiba o que fazer que venha dizer maneira melhor, de forma propositiva).

 

Flávio Xavier- médico psiquiatra em Porto Alegre

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