Depois de dez
anos no poder, os políticos do partido dos trabalhadores falam de seus
programas ainda no tempo verbal do futuro, como se todo este tempo de real
exercício de governo não tivesse passado. No caso das políticas de saúde
mental, existem experiências políticas ainda mais antigas: em agosto de 2012,
no Rio Grande do Sul, foram comemorados 20 anos de um projeto de lei, chamado
de reforma psiquiatra, que foi uma iniciativa petista. Nestes 20 anos o PT
esteve diversas vezes na prefeitura e no governo do estado do RS e pode
implementar e corrigir o que bem desejou nesta “reforma psiquiátrica”: o
resultado esta em Porto Alegre para qualquer brasileiro vir conhecer. De
maneira que, caso o prefeito Haddad desejar além de criticar a política de
CRACK do PSDB, desejar também propor algo, poderá vir aqui conhecer o que seu
partido tem feito pela saúde mental em uma experiência de psiquiatria-petista
que já tem 20 anos.
E
a experiência em Porto Alegre da chamada lei da reforma psiquiatra tem sido um
desastre retumbante. Célere em fechar o leito manicomial (inclusive pois muito
caro para o SUS), as chamadas políticas substituítivas não foram implementadas.
Não há como atender uma crise de risco de suicídio em uma cidade de quase dois
milhões de pessoas. Pacientes crônicos hoje não são mais abrigados em
manicômios públicos: migraram para fazendas de fanáticos religiosos, andam na
rua, morreram de tuberculose, estão nos presídios, ou em clínicas geriátricas
privadas. Pior do que um manicômio público, fechado em boa hora pelos petistas
há 20 anos, é um manicômio privado, com lucro para quem encarcera o doente
mental e ganha com esta prisão.
Na
secretária de saúde do estado do RS petista estão trabalhando hoje todos os
autores do denuncismo anti-manicomial. O PT faturou eleitoralmente muito com o
denuncismo anti-psiquiatria. Mas fez pouco para substituir o modelo médico. Em
Porto Alegre tem esquizofrênico sendo tratado em oficinas de crochet. Não há qualquer estrutura
de leito para emergências. É uma situação que mistura ideologia antimanicomial
com o também impressionante desmonte local da rede SUS, para criar 20 anos de
uma experiência que poderia bem ser denunciada ao tribunal de HAIA como
genocídio. Um genocídio foucaultinano, mas nem por isso menos malvado. E um
genocídio com agravante, pois perpretado contra uma sub-população mais indefesa
e frágil.
O
Sr Haddad, antes de criticar as políticas de quem faz algo como o PSDB, ainda
que não necessariamente correto, e
reeditar o denuncismo anti-psiquiatria de 20 anos atrás, deveria vir a Porto
Alegre aprender com o seu próprio partido com uma experiência pavororsa que já
cumpre amargos 20 anos de sangue e horror. Politizar a internação compulsória
como ato de direita é covardia, é desconhecer a omissão de “esquerda” que já
dura 20 anos no RS, se de esquerda podemos chamar um descaso com o humanismo
que é a política de saúde mental gaúcha.
Vê-se que o
governo federal, diante da epidemia de crack, lança no final de 2012 um
programa que denomia de “crack, é possível vencer”: novamente me incomoda o
tempo verbal. Por que não, depois de 10 anos no governo, um outro tempo verbal,
como “teria sido possível vencer, não fora a prioridade ter sido a Rosemary”.
Não é mais possível falar de políticas futuras em um governo que só tem mais 2
longos anos pela frente, e sobretudo, que tem 10 anos (Brasil) ou até 20 anos
(RS) de estrada. E quem tem telhado de vidro, que não jogue pedra em quem esta
trabalhando (com erros pela arbitrariedade sim, mas quem saiba o que fazer que
venha dizer maneira melhor, de forma propositiva).
Flávio Xavier-
médico psiquiatra em Porto Alegre
Totalmente apoiado!
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