quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O conceito de “democracia real” é diferente no Brasil do que é na Espanha? Ou o que nos falta para reificar nossa democracia é diferente do que falta na Espanha?

O conceito de “democracia real” é diferente no Brasil do que é na Espanha? Ou o que nos falta para reificar nossa democracia é diferente do que falta na Espanha?

No ano de 2011, durante a crise social e política dos países periféricos europeus, o termo “democracia real” passou a ser difundido, em especial pelos movimentos de rua e pelas redes sociais espanholas. A crise européia econômica teve seu início com os empréstimos em 2008 que o poder público precisou fazer aos bancos privados. Como bancos europeus também tinham feito empréstimos aos países da Europa periférica, mesmo com a ajuda estatal, existe dúvida tanto da solvência destes países tomadores dos empréstimos, quanto dos bancos doadores dos recursos. Sabe-se que os estados não possuem mais recursos para “salvar” os bancos, por muito endividamento. E os desdobramentos desta crise de endividamento público e privado repercutem hoje na Europa periférica, com custos elevados em cortes sociais. No caso da Espanha, o estouro da bolha imobiliária, gerou também uma tensão entre proprietários insolventes de imóveis financiados, e novamente os bancos, que estão retomando os imóveis dos inadimplentes.
Desta forma, no contexto europeu, o termo “democracia real” tem um significado específico.               No contexto espanhol, por exemplo, reclamar por uma democracia real, é denunciar a influência do capital especulativo sobre os estados eleitos. É falar da socialização das dificuldades dos bancos privados. Denunciar a retomada de imóveis pelos bancos, com auxílio da justiça e da polícia. Naquele contexto é falar da severa crise econômica e da perda do estado de bem estar social difundido na Europa nas últimas décadas. Quando o capital especulativo tem mais influência que o estado eleito, de fato uma dose de “irrealismo”, ou antes de “falsidade”, “distorção”, está presente na democracia espanhola, grega, italiana, portuguesa. Simplesmente a sociedade civil, e portanto a política, e o estado nacional podem menos – em diversos contextos- que o capital, e as estruturas supra-nacionais,  que não foram eleitas.
                O termo “democracia real” encontrou pouca ressonância na juventude brasileira. Não tivemos acampamentos como os espanhóis ou revoltas mais desorganizadas como na Inglaterra. Isso nos levaria a supor um modelo democrático mais satisfatório para o caso brasileiro? Acaso temos um modelo que espelha com mais qualidade a vontade da população? Os bancos, a taxa de juros e o poder do capital internacional são menos influentes em nosso meio? Temos a questão da moradia mais resolvida?
Nada disso parece ser real. Mas se nosso sistema representativo e nossa democracia não são perfeitos, as dificuldades no Brasil são de natureza diferente e particular com relação as realidades européias.   Na verdade a qualidade de nossa democracia também é ruim, ainda que o que nos separa de uma democracia mais real sejam problemas seguramente diferentes dos problemas europeus.
                No nosso meio, as distorções ou falsidades do modelo político que tiram dele uma maior qualidade democrática são particulares.  Tomando como oposição ao termo “democrático”, o sentido de autoritário, no nosso sistema temos os seguintes autoritarismo para vencer, se desejarmos uma democracia mais real, ou de mais qualidade:
 1) o autoritarismo dos financiadores eleitorais;
2) autoritarismo da ignorância pela falta de escolaridade formal do eleitor;
3) autoritarismo do tempo na TV;
4) autoritarismo de poder de veto de forças supra-políticas (militares, igrejas evangélicas);
5) autoritarismo dos humanos sobre o meio-ambiente;
6) autoritarismo da violência (milícia, narcotráfico, desmatadores);
7) autoritarismo de votar em leis inconstitucionais; 
8) autoritarismo da desigualdade de direitos, direitos não eleitorais (como educação, saúde, qualidade de vida)
9)autoritarismo da corrupção
10) autoritarismo da impunidade, da morosidade jurídica, da diferença de acesso ao poder judiciário.

                Conquistar uma democracia real no caso brasileiro, portanto, é uma tarefa de dez diferentes desafios. Uma melhor qualidade de nossa democracia é uma construção multi-dimensional e de longo prazo, que deve focar atenção aos diferentes vetores de autoritarismo que ameaçam a qualidade de nosso sistema político. Felizmente aperfeiçoamentos tem sido alvo de discussão na sociedade civil e nos meios políticos, como se vê, por exemplo, no atual debate sobre o voto distrital e sobre a reforma política.
1 O autoritarismo dos financiadores eleitorais; seguramente é o ponto que mais distorce o princípio democrático de nosso processo político. O político é eleito pelo voto do cidadão, mas para se eleger precisa do financiamento do capital. Naquelas situações em que não existe confluência entre o interesse do capital e o interesse da população, observamos a parcialização dos políticos contra os interesses da população, em favor do capital. Financiamento de campanha sem donativos de empresas é, portanto, uma imposição: inclusive pelo princípio elementar de que pessoa jurídica não vota. Apenas doações de pessoas físicas deveriam ser permitidas, e até um limite pré-determinado, baixo. As doações deveriam ser on-line, públicas, com rastreabilidade. A imprensa deve ser livre para divulgar quem financia quem até mesmo no dia das eleições.
2 Autoritarismo da ignorância, ou a baixa escolaridade formal do eleitor; A escolaridade baixa, a má qualidade do ensino geral do país são uma ameaça à capacidade de crítica da população, gerando um cabresto do eleitor na publicidade. O desenvolvimento da escolaridade saber do povo é a condição da emancipação política dos eleitores, e não por outro motivos os governos com projeto de permanência no poder são lentos em melhorar a educação. Um outro tipo de autoritarismo é o do desconhecimento por parte do político que decide, ou mesmo a desautoridade do saber (que é diferente, por ser uma crítica ao saber como algo negativo, uma característica do governo Bush filho) que também são ameaças à democracia real no Brasil. Temos senadores que se lançam a aprovar o código florestal e o maior desmatamento e que afirmam que a ciência mostraria que a agricultura é boa para o seqüestro de carbono! Muitos estão criticando a escolha de ministros do turismo sem conhecimento da área.
3. Autoritarismo do tempo na TV; Partidos estabelecidos no poder criam regras para impedir que partidos novos difundam novas idéias. É um projeto de dificultar a renovação da política, um projeto reacionário. O exemplo do tempo de TV maior para partidos de maior bancada é um exemplo deste movimento pela diminuição da difusão de novas idéias. Henrique Fontana pretende um financiamento maior para partidos maiores. Numa democracia real, não existe motivo para idéias diferentes serem diferentemente difundidas ou financiadas.
4. autoritarismo de poder de veto de forças supra-políticas (militares, igrejas evangélicas); Em entrevista ao Estado de São Paulo (http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-liberdade-que-nos-une,773927,0.htm) , Scott Mainwaring destaca que o poder de veto de militares é menor hoje na democracia brasileira, o que é uma realidade. Contudo parece que o poder de veto da igreja estaria maior, como vimos em alguns momentos da eleição presidencial de 2010. Governos eleitos no Brasil não estão sujeitos ao poder de veto de grupos religiosos, mas suas idéias sim. Caso sejam idéias contrárias ao credo de alguma religião majoritária, diversos assuntos são retirados da pauta.
5. Autoritarismo dos humanos sobre o meio-ambiente; Obviamente que não apenas no Brasil, a democracia é o poder de pessoas sobre as decisões coletivas. Apenas por esta razão, os interesses de pássaros, florestas e seres vivos não humanos não são representados na democracia. Políticos nunca desejam trazer más notícias ou limitações para a vontade das pessoas. Não seria popular, e portanto teria mais dificuldade de ganhar uma eleição, o candidato que falasse em más notícias: menos emprego, menos energia elétrica, menos carros, menos consumo, menos satisfação. Neste sentido a democracia, ou pelo menos a maior parte delas no mundo, é sim um sistema anti-ecológico: por um viés de constituição –animais não votam- tende a favorecer interesses humanos sobre os do meio ambiente, na medida em que favorece a eleição de uma maior representação dos interesses das pessoas, em oposição aos interesses dos demais seres vivos. A votação do código florestal no Brasil ilustra esse peso maior do lucro contra o peso da conservação na política.  Os 20% de votos para uma candidata do PV foram uma grata surpresa de maior poder do meio ambiente, ainda que a candidata difundisse uma complexa teoria da possibilidade de conciliação do desenvolvimento com a preservação, um discurso apelativo mas não necessariamente factível.
6. Autoritarismo da violência (milícia, narcotráfico, desmatadores); As denúncias do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) sobre o loteamento do estado do Rio de Janeiro pelas milícias ilustram a dificuldades da democracia de ser real diante deste tipo de ameaça de autoritarismo. Ainda que o problema pareça ser muito mais grave no Rio de Janeiro do que em outros estados do Brasil, nada impede sua difusão nacional. Da mesma forma que as milícias, o narcotráfico também é uma ameaça à democracia real, e o caso do México deve servir de alerta para a sociedade civil sobre um novo tipo de ditadura e de terror que podem acabar, ou pelo menos limitar a qualidade da democracia em nosso meio.
7) autoritarismo de votar em leis inconstitucionais;  Em Porto Alegre, a câmara de vereadores pela maioria de 30/34 votos aprovou a entrega de uma área pública, o cais do porto e algumas adjacências de orla do Guaíba, para serem loteadas por grupos privados. Uma afronta ao direito constitucional, pois não é prerrogativa dos representantes do povo a doação ou venda de bens dos representados.  Da mesma forma, a louvável lei da ficha limpa foi dada como inconstitucional pelo STF. Não parece também constitucional aprovar um código florestal que traga como decorrência risco de severo desequilíbrio do clima, por meio de mais desmatamentos. Não é constitucional que políticos possam decidir, ainda que indiretamente, por alagamentos, catástrofes e morte de seu povo.  A constitucionalidade do poder dos representantes deve ser melhor estabelecida, ainda que em votações de conteúdo justo.
8) autoritarismo da desigualdade de direitos, direitos não eleitorais (como educação, saúde, qualidade de vida). Discutindo o conceito de democracia, na mesma matéria do Estado de São Paulo citada acima, Leonardo Morlino fala que ademais de liberdade eleitoral, a boa qualidade democrática também pressupõe a igualdade: “não é possível haver liberdade sem algum nível de igualdade no que se refere à educação, qualidade de vida, assistência médica, etc. E vice-versa.” O Brasil é um dos países mais desiguais, ainda que existam progressos nesse aspecto. Lamentavelmente os progressos na diminuição da desigualdade são mais devido a distribuição de renda do que devido a qualificação de serviços de educação e saúde. Maior igualdade de poder de consumo apenas , com maior disparidade de nível educacional e de nível de saúde são conquistas discutíveis, e seguramente são disparidades que ameaçam a qualidade da democracia. O eleitor além do direito de escolha, precisa ter o direito de estar vivo para votação, bem como ter instrumentos de cognição para acompanhar criticamente os debates nacionais.
9) Autoritarismo da corrupção. A violência da corrupção não é apenas material (como no exemplo do desvio de dinheiro da merenda escolar), é antes de tudo uma violência de expectativas, ou uma violência emocional. Partidos moralistas e pautados pelo discurso da moralidade chegaram ao poder no Brasil praticando um dos governos mais corruptos da história republicana (José Álvaro Moisés, em matéria do Estado de São Paulo citada). O sentimento de desilusão que esta “quebra de contrato” significou é perigosa, por favorecer um descrédito da democracia como sistema. Mas é  perigosa também por retirar de quem critica a razão, já que desmoraliza a oposição (já que o crítico, quando no poder, fará a mesma coisa). Também é perigosa por desmoraliza o novo (novos atores políticos, hoje muito críticos, no futuro farão como os velhos que hoje recriminam). A metamorfose do PT em seus antecessores é o desastre político mais grave que ameaça a nossa democracia, já que esta afirmando que devemos desprezar toda a discordância, pois ela é a mesma coisa. Seguramente este é o motivo da hipotrofia crescente das forças de dissenso na política brasileira; se todos são o mesmo, por que trocar de partidos? Paradoxalemente, a desilusão com o PT é a garantia de sua permanência no poder, e a garantia da desmoralização de seus jovens opositores.
O PT no poder não apenas desmoralizou o conceito de oposição; desmoralizou o conceito de juventude, de idealismo, de esquerda, de esperança, de denúncia, de brabeza. Se antes do PT no poder o ícone da juventude era, por exemplo, um revolucionário como Che Guevara, o ícone dos movimentos jovens atuais é um palhaço. A contestação foi portanto desglamurada, e o crítico de Che que era, virou um palhaço. A figura do palhaço, auto imposta pelos jovens nas marchas de 7 de setembro, é uma síntese do que é ser oposição hoje em dia: ser crítico não é ser sério! Saem os caras pintadas, entram os narizes de bolinha. Se o PSOL não cresce hoje em sua crítica ao PT é devido ao fato que todos pensamos: hoje criticam, amanha irão copiar os alvos de suas críticas atuais. Em sua década de poder, o PT conseguiu o que Golbery sempre sonhara, mas não logrou realizar, que é desmoralizar a esquerda. E o grande componente desta perda de autoridade é a corrupção.
10) autoritarismo da impunidade, da morosidade jurídica, da diferença de acesso ao direito conforme o nível social do cidadão. As imperfeições do judiciário, seja na punição dos políticos corruptos, seja mesmo no desempenho de suas demais atribuições, seja na dificuldade de acesso universal, cria uma cultura do ilícito como valor positivo, que não é necessariamente uma definição da alma nacional, mas uma decorrência do judiciário acanhado em tamanho e eficiência. É sim uma postura autoritária a noção do “não dá nada”, que sendo realista (pois de fato nada acontece), justifica a quebra da ordem e portando do direito. O poder do povo é desrespeitado quando uma igreja promove um show até depois das 22:00 horas, e o autoritarismo dos cantores só é possível pois de fato “não dá nada”, ou seja, nada de jurídico ou coercitivo acontece.
Os elementos acima são ameaças à qualidade de nossa democracia. Também são pontos de intervenção a serem modificados para tornarmos a nossa uma democracia mais aperfeiçoada. É importante notar que nenhum destes aspectos pode ser deixado de lado, pois cada ameaça pode sim destruir um projeto de horizontalidade de poder entre todos. Como enfermidades de características diferentes, todas as ameaças podem levar ao falecimento da democracia. São imperfeições que diminuem a qualidade de nossa democracia e que precisam ser enfrentadas para conquistarmos a reificação da democracia. São aspectos especificamente brasileiros, já que nossas dificuldades com autoritarismo e com democracia são muito diferentes das européias. Desta forma, lutar por “democracia real” no Brasil é pleitear uma pauta de melhorias sócio-políticas muito diferentes das espanholas ou inglesas. De uma forma resumida nossa democracia padece de falta de educação formal do eleitor, de uma parcialização absurda dos políticos com o capital e contra o povo (decorrência do processo eleitoral?) e de corrupção, bem como de desmoralização da esperança; Já as dificuldades de qualidade da democracia em países periféricos europeus são relacionadas com a impossibilidade do estado nacional de manter conquistas sociais e manter sua independência frente aos interesses supra-nacionais dos bancos e do capital especulativo.  São de fato irrealidades, ou inconsistências democráticas  bastante diferentes.




quarta-feira, 20 de abril de 2011

Pela distribuição de uma arma para cada cidadão pelo ministério da justiça


Todos os homens são iguais e têm direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade, a busca da felicidade. Se um governo atua para destruir esses princípios, é direito do povo derrubá-lo. Em torno desses conceitos foi redigida a Declaração da Independência dos Estados Unidos, aprovada em congresso em 4 de julho de 1776. O texto ganhou o mundo e inspirou documentos similares em vários países.
                No nosso meio copiamos a primeira parte. Já o “direito do povo derrubá-lo”, por aqui ganhou menos popularidade. Não tenho noticia de que a nossa constituição faça alguma referência ao direito do povo a um recall de governos “pervertidos’. Não por outro motivo, os norteamericanos são tão zelosos do porte de arma. O cidadão americano tem em casa uma defesa contra a tirania, bem como um direito constitucional de usar armas contra estados arrogantes ou pretensiosamente antidemocráticos. Os americanos sabem que não devem confiar demais a exclusividade do porte de armas somente ao estado, e não estão dispostos a proibir o cidadão comum de ter armas. Vamos que se precise usá-las para derrubar governos.  
                O projeto de desarmamento dos brasileiros pode até que seja útil contra serial killers ou contra a criminalidade, mas é um perigo contra a tirania estatal. Temos forte tradição de tiranos, um percentual seguramente maior do que 50% do século passado sofremos com estados não democráticos. NA entrada deste século, o petismo real namora com o chavismo e com “o melhor para ti”, mesmo que contra tua vontade. Simplesmente não é seguro desarmar a população, com a nossa cultura. Nem na constituição se fala em tirar governos legitimamente. Nossa tradição de ditaduras não legitima semelhante temeridade como essa proposta de desarmaneto da população.
                Sugiro um SUS que cuide de drogados e psicóticos (algo que não temos), uma policia como a paulista do PSDB, que de fato diminui em 42% a criminalidade, e o uso obrigatório de armas por todos os eleitores. Vá que precise, com governos como os nossos, com petistas como os nossos, não devemos folgar. Lembre-se sempre: nos porões da última ditadura morreram mais pessoas que na mão de um ou outro serial killer eventual.  A nossa democracia só se sustenta com muitas armas na mão do povo, alguém lembra da legalidade e do Brizola? O governo precisa deste “poder moderador”, se nos Estados Unidos precisa, imagine aqui, onde tivemos mais ditaduras que eles.
                E desconfiem do Sarney liderando a campanha do desarmamento, ninguém se perguntou justamente por que ele? Imagine o povo do Maranhão armados até os dentes!  Um pais que tem o José Dirceu apoiando o Kadafi em seu blog, O Lula elogiando o governo de Cuba e do Irã, de braços com Chaves, só por via das dúvidas deve ter uma garrucha no fundo do armário. Desarmamento só na Noruega, só quando o petismo for menos paternalista, só quando a Dilma tirar o Chaves do mercosul por tirano...

domingo, 10 de abril de 2011

Sobre o livro "Zero, biografia de uma ideia perigosa" de Charles Seife


Leia o livro “Zero - A Biografia de uma Ideia Perigosa” de Charles Seife. É sobre o conceito de zero, um número muito tardiamente incorporado em nosso sistema número, e não sem problemas. Na verdade é um número muito, muito diferente dos demais. Enquanto todos representam algo, ele é o único que representa um não algo.
            Lendo o livro, ficamos com a ideia que temos 3 conjuntos numéricos distintos; o dos números, o zero, e o infinito, outra encrenca conceitual.
            Na minha opinião, concordo com Bishoe, citado na página 109: o zero é um número pretérito, ou “fantasmas de quantidades desaparecidas”.
            Bonita a citação da página 127: “Deus fez os inteiros, tudo o resto é trabalho do homem” Ou a da página 127 (algo retocada, para aumentar o efeito poético): “O zero e o infinito são o mesmo lado de duas moedas”.
            Muito bonita a lenda sobre o signo indiano que deu origem ao símbolo até hoje do zero: Uma marca de uma pedra oval na areia; uma marca de uma pedra que já não esta obviamente, rementendo a esse conceito de zero como o único número pretérito.
            Na verdade o zero é um número pretérito, ou então é sobre o futuro: nestas 5 cadeiras vazias, ainda não estão nenhum convidado, estão “zero” convidados.
            O que temos dificuldade mesmo de entender é que uma quantidade é algo que não existe, é uma particularidade além das maças. Quantidade é uma abstração, não se toca no tres. Existem maças, nunca existiu algo como tres. Assim, não há nada demais, no campo das abstrações, pensar que existiu, e já não existe mais, qualquer quantidade.Podemos ter um mal estar com o conceito de uma quantidade que não é nada (zero), mas  apenas se não concordarmos que a quantidade para algo (tres) é tão abstrata quanto o nada. Em outras palavras, tres e zero, ambos são nenhuma maça.
            E por ai caminha o livro, mostrando que nada se opõe mais ao conceito de Deus do que o número zero, conceito mal visto pela inquisição. É a conclusão do autor: “Deus é a negação do zero, e vice-versa”.


sexta-feira, 8 de abril de 2011

artigo censurado por "machista" em jornal espanhol

“Un chico normal” (Salvador Sostres, El Mundo, 7 de abril de 2011)







El chico rumano de 21 años que ha estrangulado a su novia embarazada, también rumana, de 19, “era un chico normal”, según han dicho de él sus vecinos y conocidos. “Discutían como cualquier pareja”, ha explicado la madre de la víctima. Después de cometer el crimen -o de presuntamente cometerlo, hasta que no se celebre el juicio- el chaval, horrorizado por lo que había hecho, telefoneó a su padre a Rumania y le mostró el cadáver de su novia muerta a través de una webcam.






Porque un chico normal de 21 años que está enamorado de su novia embarazada, es normal que pierda el corazón y la cabeza, el sentido y el mundo de vista, si un día llega a su casa y su chica le dice que le va a dejar y que, además, el bebé que espera no es suyo.






Ni puedo justificar ni justifico un asesinato, ni cualquier forma de maltrato tenga consecuencias más leves o más graves. No pienso que haya causas morales que puedan justificar matar a alguien, ni que puedan servir siquiera de atenuantes en el juicio. Digo que a este chico le están presentando como un monstruo y no es verdad. Es un chico normal que se rompió por donde todos podríamos rompernos.






Porque hay muchas formas de violencia, y es atroz la violencia que el chico recibió al saber que iban a dejarle y que el niño que creía esperar no era suyo. No te causa la muerte física, pero te mata por dentro y aquel día algo de ti muere para siempre. No justifico lo que hizo, ni creo que se pueda justificar, pero no es un monstruo: es un chico normal sometido a la presión de una violencia infinita, una violencia que no por ser física es menos violenta; un chico que luego tuvo una reacción terrible, inaceptable e inasumible, criminal, y que no sólo terminó con la vida de su novia y la de la criatura que esperaba, sino que terminó, en cierto modo, con la suya propia.






Espero que si algún día me sucede algo parecido disponga del temple suficiente para reaccíonar quemándome por dentro si que el incendio queme a nadie más. Pero me reconozco en el dolor del chico, en su hundimiento, en su caída al fondo de sí mismo oyendo las explicaciones de su novia. Me reconozco en su desesperación, muy normal y nada monstruosa: en su herida, en su desgarro. Quiero pensar que no tendría también su reacción, como también lo quieres pensar tú. Pero, ¿podríamos realmente asegurarlo? Cuando todo nuestro mundo se desmorona de repente, cuando se vuelve frágil y tan vertiginosa la línea entre el ser y el no ser, ¿puedes estar seguro de que conservarías tu serenidad, tu aplomo?, ¿puedes estar seguro de que serías en todo momento plenamente consciente de lo que hicieras?






Que la justicia dicte su sentencia y que sea tan severa como tenga que ser. Ante un asesinato no hay causas morales. Pero este chico no es un monstruo. Es un chico normal disparado al centro de su querer, arrancado a la vez de la novia y de su hijo, sometido a una violencia brutal que al no ser física nunca se considera, pero que ahoga y machaca lo mismo que cualquier otra violencia.






Hay muchas formas de violencia. La mayoría de los que escriben y leen sobre sucesos ignora cómo a veces el amor se convierte en escoria y en desgracia y se abraza desesperadamente a la tragedia”.






Creo que no hace falta comentar nada más. Sólo, Salvador Sostres, pedir lo mismo que tú, que si algún día me cruzo contigo “disponga del temple para reaccionar quemándome por dentro sin que el incendio queme a nadie más”. Yo tampoco soy un monstruo, sólo “un chico normal”, pero ante tanta violencia… quién sabe.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Todos Somos Ricardo Neis



Todos somos Ricardo Neis: liberdade ao mártir da lei de carros subsidiados de Lula. Pela lei da obrigatoriedade de carroças no meio urbano de Porto Alegre.
Todos somos Ricardo Neis. A Síndrome de Ricardo Neis (SRN) é uma entidade sócio-emocional, que tem penetrância variável, ou seja, pode se manifestar de forma completa – quando de fatos agimos nossos sentimentos- ou parcial, quando não agimos e apenas sentimos fúrias intensas no trânsito. Ontem chovia, tinha um jogo do time da várzea as 19:30, e todos ficamos 40 minutos tentando cruzar o parcão. Eu mesmo passei 2 horas preso no engarrafamento, para fazer não mais que 3 ou 4 kilometros. O interessante não é que tenha visto um ou outro motorista ao lado com síndrome: o fato inegável é que todos, eu e todos, éramos Ricardo Neis. Quando estamos com a SRN, não é que tenhamos um desapreço particular por bicicletas, é que matamos metafóricamente ou nem tanto qualquer coisa que invada nossa obstinada e frustante propriedade dos 2 cm “nossos’ a frente, matamos tudo que frustre nossa vontade de avançar dois centímetros.
                Ricardo Neis, como foi mundialmente noticiado e visto no youtube, avançou seu carro sobre ciclistas que lhe obstruíam a passagem. Poderiamos fazer um check list de revistas femininas, com algumas perguntas e com diferentes respostas valendo pesos diferentes, para verificar o quanto estamos contaminados (em mais ou menos intensidade) pelo vírus da SRN: vc pula na frente do carro ao lado, tão logo ele deixe dois milímetros de distância do carro da frente? Vc entra na preferencial com estudada impetuosidade obrigando o incauto motorista que vinha na preferencial a quebrar toda a arcada dentária no volante? Vc para com objetivo de ver se vem carro na preferencial mais ou menos no meio da rua, de forma que não reste mais alternativa ao que vinha do que deixar vc passar? Vc acelera até 150 km apenas para chegar na esquina onde vc tem a preferencial antes que os carros que desejam cruza-la tenha qualquer possibilidade de faze-lo? Vc como pedestre avança sobre a faixa de segurança indiferente se o carro que vem vindo vai conseguir salvar sua vida? Quando vc esta de moto, vc se comporta como um camicase urbano?
                O sentimento que temos quando estamos com SRN é que temos que andar. Esse sentimento é a todo momento frustrado pela realidade inacreditável da mobilidade urbana atual, que não é mais a que foi um dia. Quanto mais cavalos temos de máquina, mais nos sentimos uns asnos. Tenho inclusive um projeto para sugerir aos vereadores, a obrigatoriedade da carroça para todos: se é para andar na velocidade de 10 Km/hora, de cavalo ou charrete (poderiam ser animais públicos, do tipo que se pega no centro e se larga no parcão) é mais lúdico, e tem muito menos impacto de pegada de carbono.
                Provavelmente a principal causa da fúria e da conduta intimidatória no transito é justamente o trânsito, que se mostra excessivamente saturado. O estresse de um trânsito (ou antes, um não trânsito) congestionado em escalas que dão medo, faz o motorista ser tomado de agressividade, medo e frustração. Ainda é uma surpresa levar 45 minutos em trechos que costumávamos levar 10 minutos, e obviamente “a culpa” pela demora são os demais carros ao redor e – mais ainda- na frente.
                Considerando que estamos a todo momento tendo que não fazer uso de todos os cavalos de potência que temos, que estamos vivendo a castração da potência em sentido Freudiano, estamos a todo momento anulando potência. Se um ser "mais fraco" (uma moto, bicicleta, ou pior ainda um pedestre) age conosco de forma arrogante, impondo sua fragilidade como uma arma, a pergunta na mente do portador de SRN é: por que passo o dia tendo que me anular, sendo forte, e esse ser mais frágil age de forma intimidatória comigo, não estando armado? A lei do Fogaça de por a mão para sinalizar o desejo de atravessar na faixa de segurança é um pedido de passagem: muitos pedestres avançam confiantes, partem para a ação antes de pedir passagem, em uma postura de imposição. E é justamente essa “lei do mais fraco”, ou antes a "tirania do mais fraco" (em tudo semelhante, inclusive na imposição e imoralidade a do mais forte) que irrita quem vem de duas horas de engarrafamento, em portadores de SRN.
                O motorista, desta forma, é um ser vítima de agressividade de iguais e de mais fracos, que esta trancado em sua máquina altamente potente e impotente e que, devido a tédio e raiva, passa a jogar games de ocupar avanços: não importa se é um jogo de "ao vencedor as batatas", é o que se pode jogar em meio a tanto tédio. Um outro componente da SRN, além do jogo de Gerson, da frustração, de que todos jogam o jogo do “fato-consumado” e que todos jogam o jogo da imposição, é o que denominaríamos de “direito proporcional ao IPVA”. Na mente de muitos de nós, quem paga IPVA (motorista) tem maior posse do espaço urbano do quem não paga (pedestre), tendo inclusive uma certa primazia de passagem, como certas castas na India.
Esse "acréscimo de direito" pelo IPVA é reforçado pelo poder público que encurta o tempo da sinaleira de pedestre, que "come" parques ( Fortunati acaba de rasgar o parque Marinha com imensa avenida para carros, com o silencioso consentimento da população) para fazer ruas, que diminui calçadas (e árvores da calçada) para alargar avenidas. Concordar com  mais direitos para quem paga IPVA é, contudo, injusto, pois o espaço ocupado por apenas 1 cidadão (motorista) é 80% maior quando contamos o carro ao redor dele. Se observamos uma rua estreita com 8 ou nove carros, ela esta “tomada” e trancada. Mas não temos mais que nove pessoas causando aquele problema, e na calçada temos um número maior de pedestres usando o espaço urbano, com muito mais harmonia.
                Também existe um acréscimo de direito proporcional ao valor do IPVA, com carros mais caros impondo mais direito que carros mais populares. E uma maior indiferença a civilização, quanto mais escuro o isufilme do carro. Não impressiona que o ato do Sr Ricardo Neis, de impor sua passagem por sobre ciclistas, tenha ocorrido em uma cidade cuja o principal assunto dos vereadores (além de dar mais direitos as construtoras) e da mídia seja a proibição de carroças para o melhor uso das vias pelos carros. Em uma cultura de fundo assim, que tem a concordância da maioria (a lei da proibição da carroças foi aprovada), todos são coniventes com o gesto de Ricardo Neis. Pois proibir carroceiros, papeleiros e assemelhados de “atrapalhar” o fluxo não difere de proibir bicicletas, ainda mais incômodas, de obstruirem a passagem do onipontete  Sr Automóvel, o único dono e razão de ser da cidade.
Quando o governo Lula passou a subsidiar a compra de mais carros, com a explosão da classe C, o trânsito parou e deu surgimento a SRN em proporções epidêmicas. Esta não é uma doença de indivíduos, é uma doença que precisa ser explicada por um ramo que anda meio “desprestigiado” da psicologia, que é a psicologia social. Esta  é uma doença do nosso imaginário social, é uma doença de todos nós, é sim uma doença “social”. Para entende-la melhor, sugiro a compra do livro, não de um psiquiatra, mas de um antropólogo, Roberto Da Matta, que se chama “Fé em Deus e Pé na Tábua”: neste livro o autor mostra o quanto o mimo exagerado, a educação que nos ensina que somos  “especiais” (o que ele denomina de “feijaozinho ao lado –e não acima –do arroz”) que damos a nossos filhos, faz do trânsito o lugar de soberanos despóticos e autistas. Somos todos Ricardo Neis e precisamos de metro em Porto Alegre.
Condenar o Sr Ricardo é importante, mas precisamos todos nos ver doentes com a mesma agressividade deste senhor, e precisamos todos de condenação e progresso. Em julgamento no caso de Porto Alegre contra Ricardo Neis esta no banco dos réus nosso modelo de civilização, no banco esta toda a cidade, a nossa prepotência, nossas pequenas imposições diárias, a cidade que não prestigiou suas ciclovias de domingo, a cidade que se irrita com carroças, a conduta de todos que jogamos o carro na frente dos outros carros, os que jogamos o jogo "do quem pisca primeiro" com carros. Se Ricardo for preso (e esperamos que seja), prendam todos nós, o presidente da Ford, o governo Lula, se é que já não estamos  todos presos em um monstro engarrafamento eterno. Esperamos sinceramente que este seja o ano da morte do Ricardo Neis que habita em todos os frustrados motoristas que somos, com a vinda do metro de Porto Alegre.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dilma: um pouco de luz para todos é diferente de muita luz para todos

O que a barragem do rio Pelotas, privada e fraudulenta (aprovada com ajuda da ministra da pesca Ideli Salvati) destruiu de meio ambiente ao ser construida, com laudo fraudados do Ibama, condenada pela justiça de SC,  para gozo supérfulo de uma sociedade viciada em gasto perdulário e fútil de energia.




O governo Brasileiro em 2003, quando a presidente Dilma ainda era ministra de minas e energia, lançou o programa “luz para todos”. Frente aos recordes sucessivos de consumo de luz no verão escaldante e subsaariano do Brasil, estamos tendo que nos perguntar: “toda a luz que todos desejarem, o tempo todo?”. Por que toda luz que cada um bem entender é bom para “todos”, os humanos. Já para peixes, árvores e demais assemelhados, quanto mais luz, menos rio virgem de hidroelétricas, menos florestas, mais chuvas ácidas (termoelétricas), menos amazonas (Belo Monte), mais usinas nucleares. No exemplo fala-se em luz, mas o mesmo vale para proteína (carne) para todos, ou para automóveis para todos: mais consumo, mais preço ambiental.
                A incorporação de parcelas exponencialmente maiores de consumidores de comida nos países do BRIC, que antes não comiam, esta elevando perigosamente o preço da comida. E tendo impacto importante nas áreas devastadas de florestas no Brasil. O poder de consumo maior do brasileiro esta permitindo que um número crescente de pessoas compre um aparelho de ar condicionado, ou mesmo um ventilador. A uma maior “justiça térmica” , corresponde um governo sempre correndo atrás para aumentar o fornecimento de energia elétrica. Um economista chamaria este aumento de consumo de “desenvolvimento”; um ecologista não. A presidente Dilma certamente sim. A candidata Marina Silva lamentavelmente acho que também sim, já que tem como discurso uma abstrata e pouco clara possibilidade de integração entre os imperativos da economia e os do meio ambiente.
                Num determinado sentido, objetivos econômicos e objetivos de preservação da natureza são sim irreconciliáveis. O real problema do projeto de “toda luz que cada um bem entender”, é que trata-se de uma meta tão desejável quanto impossível.  O estado não pode tomar para si a obrigação de satisfazer uma demanda de energia indefinidamente crescente. Não existem recursos infinitos, sempre disponíveis para crescentes demandas. É o fenômeno dos mineiros chilenos antes da chegada de um furo da esperança: água e comida racionados, para durar. Em tempo de insumos finitos, o consumo não é “ad libitum”, nem determinado pela vontade livre do consumidor: e o tema da propriedade privada, como fica numa situação assim? O que o coletivo de mineiros faria com o meu cantil privado de água?
                Um princípio eticamente correto – parcelas maiores de pessoas consumindo ventiladores, carne e carros – é sim contraditório com outro princípio também eticamente correto, preservar o planeta. A justiça da democratização do consumo é incompatível com a "justiça ambiental", em particular depois de certos níveis. E o estado é portanto chamado para uma tarefa mais complexa e – de fato – juridicamente vaga e cheia de desafios: decidir quem, quando e o quanto consumir. O tema ainda não aparece para “energia”, mas já aparece para o uso da água, em conflito entre arrozeiros e a população das grandes cidades no Rio Grande do Sul, em particular em anos de pouca chuva. Em São Paulo, já aparece para o uso de automóveis, submetido a rodízios de placas.
                A entrada da variável “meio ambiente” na equação do consumo de energia modifica diversas perspectivas, e – talvez por serem perspectivas novas – são todas muito difíceis de serem regulamentadas:
1-      Cria a necessidade do coletivo arbitrar e comparar desejos individuais.  Se trabalharmos com a noção recursos finitos, as demandas individuais precisam ser julgadas: o calor que eu sinto é mais incômodo do que a necessidade de lucro da serralheria ao lado, portanto ele trabalha de madrugada para eu poder ligar meu split no meio da tarde. Não é correto uma repartição pública do governo ter ar condicionado em todas as salas gelando, e as escolas públicas não (nem muito menos as privadas). Todas as churrascarias serão proibidas, o vegetarianismo será reforçado por políticas públicas, um bife/dia do tamanho da palma da mão de cada um será o permitido, para sorte das pessoas de mão grande.  Assim como desejos de consumo precisam ser comparados, existem desejos que serão rotulados como impossíveis de serem atendidos.
2-      O governo terá de dizer a verdade para a população: o desejo de mais energia é irrealista, não tem como ser atendido. Se atendido é a um preço ambiental impagável. Portanto vamos dividir a que existe. Se um imperativo mais alto e novo se levanta, ou seja o meio ambiente, o imperativo anterior menos importante, o lucro privado, perde em poder e em prioridade: em uma tarde escaldante, indivíduos terão primazia do uso da energia elétrica para seus splits, em detrimento da indústria e comércio, que precisará diminuir sua atividade (rodízio de lojas nos shopings, diminuição da produção de carros na montadora em Gravataí?). Dar más notícias, rotina para médicos, é menos do hábito dos políticos, selecionados que são pela popularidade. A democracia não esta preparada para "bad news".
3-      As demandas precisarão ser comparadas no mérito de cada uma: o que tenho que fazer com meu carro na rua, quanto tempo acredito que devo ficar no chuveiro elétrico, por que motivo acredito que as luminárias do meu estabelecimento comercial devam ficar toda noite ligadas, ou até que horas acho importante que fiquem acesas.  O princípio do “maior consumo melhor” (que é o princípio capitalista) é então substituído pelo princípio do apenas o consumo necessário é tolerado. Institui-se o "sentido do desejo": desejos sem sentido, depravados, egoístas ou exagerados não serão atendidos.  As dificuldades morais desta nova perspectivas são imensas, já que o indivíduos não tem direito apenas por ter poder aquisitivo. Passa a ter direito  a energia conforme julgamento de outros sujeitos, não mais pelo seu livre desejo. O direito ao uso é condicionado ao sentido, a importância do objetivo, o que além de ser assombrosamente subjetivo, é sempre um julgamento comparativo, e sempre um julgamento de terceiros, não mais um julgamento pessoal.
4- O estado deve satisfazer todo e qualquer apetite? Dito de outra forma: um pai deve alimentar seu filho? sim. Mas e se o filho pesar 150 kg, tiver uma obesidade mórbida, o pai deve fornecer o que o filho bem entender? em termos. O papel do estado é regular este apetite. Não é possível, se o filho for viciado em carbohidratos,  gorduras trans e em  colesterol atende-lo, incondicionalemnte. Na verdade, neste caso, o papel do pai -do bom pai- é regulamentar, limitar, ou pelos menos tratar a bulemia com terapia cognitiva comportamental, cirurgia ou medicamentos. E se para piorar o cenário, o filho glutão for um dos 32 meus companheiros de infortúnio da mina chilena, onde poucas latas de atum são tudo que temos para um tempo indefinido de dias no fundo da terra? Bem, neste caso o filho com transtornos- ou perversões - alimentares vai ter que ter paciência, mas não será atendido em todos os seus caprichos e mimos, e seguramente será um dos que mais vai sofrer em tempo de comida e bebida racionada.  
Portanto, o princípio dos recursos finitos, pelo bem do meio ambiente, inverte tudo: Inverte o olhar cúmplice do governo com o consumo progressivamente maior, inverte a primazia do lucro como valor maior, inverte a obrigação do governo de fornecer toda a luz que se desejar, inverte o poder de compra como único regulador da satisfação de cada demanda: já não consumo o quanto posso, ou quero, e sim o quanto é justo, o quanto tem sentido, o quanto me deixam. É como entre os mineiros, quando o futuro é incerto e os suprimentos racionados, o tanto de atum por dia é discutido e votado, a propriedade privada é um conceito ultrapassado e o dinheiro, bem este não serve para nada, nem o livre arbítrio.
O momento em que vivemos, com as interrupções de luz nas tardes quentes de verão, e com a percepção dos malefícios que novas hidroeletricas causam ao meio ambiente, nos faz ter consenso  que é imoral a proposta de  "muita luz para poucos". Pior ainda, nos faz inicair a pensar que nem temos como atender a proposta de muita luz para muitos. Não queremos nem pensar, e não queremos ter que temer o dia de viver a impossibilidade de "pouca luz para todos".

domingo, 16 de janeiro de 2011

Uma camiseta lacoste


Uma camiseta lacoste, custa um terço a camiseta e dois terços o jacaré. De um hipotético R$ 150 reais de “valor”, temos portanto uma maior parte de marca, grife ou conceito, e uma menor parte de custo “mesmo”. E a historia deste produto é assim feita: o conceito é francês e popularizado nos Estados Unidos, o produto é feito em Taiwan e na China e quem paga por ele, neste tempos de subida econômica dos BRICS, somos nós, os brasileiros (entre outros). Os últimos resultados divulgados pela empresa mostram que o país é um mercado-chave. Enquanto em 2009 o faturamento global da companhia caiu 2% no mundo, aqui houve um crescimento de 60%, totalizando R$ 100 milhões (http://www.portaldebranding.com/v1/?p=2335).
                O caso da camiseta lacoste ilustra três  aspectos importantes: o primeiro, é a posição de consumidor a que estamos relegados no novo ordenamento econômico, não de produtores de conceito. O segundo aspecto, saindo da situação brasileira e de abrangência mundial, é a importância em dinheiro que pagamos pela ostentação (mais em sociedades “novas ricas”, mas não exclusivamente). O terceiro, que irmana classes no Brasil e sociedades no mundo, diz respeito a futilidade de nossa existência, quando o consumo nos irmana a todos em uma falta de sentido moral.
                O Brasil não produziu uma camiseta lacoste “desejada” pelo resto do mundo, como também não produz nem esta construído a possibilidade de produzir ciência e tecnologia, inovação cultural ou um Nobel da paz. Nossos anos de petismo real nos levaram apenas ao aumento do poder de consumo de imensas massas, vorazes por uma camiseta lacoste. E nem é do escopo aqui discutir que – por ostentação- serve uma “cópia” chinesa. Suponhamos que desejamos a legítima, como de fato desejamos e pagamos. Esse é o legado do governo Lula, a possibilidade de um número maior de pessoas consumirem uma camisa lacoste, cuja o dividendo rende dinheiro um pouco (e bem pouco) na Ásia, e um percentual maior na França. Dos R$ 100 reais que não são de algodão, por uma idéia, brasileiros pagam muito. O tema é o da ilusão: trocamos dinheiro bom, sólido, por um conceito etéreo, por uma alegria infantil, por uma capricho engraçado: o cenário em tudo lembra  a fábula do índio que entrega Pau Brasil (um bem de valor) por um pente de matéria plástica, ou por espelhinho. Suponho que alguém na França ache isso tudo muito cômico.
                Um pais que não tenha investimento em cultura, ciência e tecnologia, não se sustenta rico. O desmonte do apetite chinês por soja, petróleo e minério de ferro, nos devolveria nossa exata dimensão: um povo de iletrados consumistas, de incultos em euforia de consumo. Uma parcela não desprezível acostumada com os favores do estado, sem qualquer valor agregado a oferecer ao mundo. Riqueza não é – que nos desculpem os sociólogos que fazem senso- um conjunto de eletrodomésticos , nem o número de banheiros de uma casa que – por não ter alicerces, ou ser construídas em um despenhadeiro desmatado (e grilado)- cai na primeira chuva.
                O custo de uma marca é um aspecto importante de quase tudo na indústria atual, em que preço se descolou de custo de produção e mais pequena margem de lucro. Seja na compra de um carro, de um filme de cinema, de um produto farmacêutico, o preço é pagamento de idéias, e também a criação de um desejo no consumidor. O fato que muito do que pagamos não é “custo”, nos faz a todos (consumidores) um pouco idiotas, enganados, e cúmplices da enganação. Sabemos que a camisa é - em boa parte-logomarca, e seguramente é por isso mesmo que corremos para ter uma, como que afirmando para os demais: eu tenho tanto que até o triplo posso pagar por um jacaré. Se virmos o que de “plus” entregamos de trabalho real e valioso por ilusão, ficaríamos nos sentido uns chipanzés da ostentação: quanto de consultas médicas reais, existentes, entrego para uma revenda de automóvel para flanar pela cidade com determinado modelo alemão, americano ou italiano que é marca (uma inexistência, um conceito)? Quanto de soja, de labuta, de trabalho real, vira nada na ciranda que se justifica pela ostentação?
                Acreditar na ostentação tem seu preço. O problema que nós brasileiros não estamos sós neste catecismo. O mundo globalizado avança (?) em grande parte por esta lógica. Todas as nações e povos diferentes, estão rezando pelo catecismo este das marcas, do consumo e de pagar mais pelas coisas do que deveriam. No exemplo (hipotético, ou inexato em números) da camiseta lacoste, dois terço da economia é nada, ou não é algodão. Seria curisoso pensar, se fosse possível: quantos porcento da atividade econômica no mundo é besteira? Existe atividade para vestir, para morar, para alimentar: sabemos que existe economia – para nosso uso aqui – “real”. MAs o quanto é real, o quanto é fantasia, desnecessidade, besteira, ilusão? Sempre é importante produzir um antiretroviral, mas a discussão de qual é o custo e qual é a margem de um remédio deste esta bem clara para todos que acompanhamos a luta de Bil Clinton para  compor o preço deste fármacos na ajuda a Africa.
Podemos dizer que 70% da economia no mundo é besteira? Comporia este cálculo as marcas (no caso da lacoste, 66% seria marca/besteira), a ganância ( o tanto do preço de um fármaco que não é pesquisa cientifica, é jogo de poder), a ostentação (o meu carro que faz 7 Km por litro), ou o conforto (toda a cadeia que produz eletrecidade e ar condicionado para refrigerar um shoping, uma repartição pública, um banco privado).  E neste sentido moral, sra ministra da pesca Ideli Salvati, estaria justificada uma hidroelétrica como a do rio Pelotas (que sabemos como a senhora –ao arrepio da justiça- fez continuar a obra embargada), que tanto mal fez justamente para a rota de peixes migratórios, ser imposta contra a opinião do Ibama apenas para  sustentar um ar condicionado de shoping toda tarde? Quem arbitra esta “necessidade” da hidroelétrica, é peixe ou é um consumidor deslumbrado e semi-alfabetizado, sem plano de saúde, sem qualquer idéia na cabeça que faça diferença na orquestração das nações, em busca de uma camisa lacoste?
                Não há sentido moral em muito do que é econômico, em muito do que fazemos. E moral não é apenas ecologia, ainda que principalmente o seja. Boa parte da atividade mundial gira em torno de desnecessidades, muito do trabalho vai para concentração de renda, pouco sentido há em muito do que fazemos. Se desejar uma camiseta no valor três vezes maior é errado, e pagar um terço por ela é o certo, então estamos apenas com 33% de sentido em nossa existência pessoal e coletiva. Muito do que fazemos, portanto, é fútil e sem necessidade, ou sentido. Coletivamente estamos embarcados em um projeto fútil, que seria apenas cômico se não estivesse exaurindo o planeta. Destruir o rio Pelotas, peixes e florestas, para manter as luminárias de um shoping sempre acesas é uma falta de valor, um problema ético, um crime bem ao gosto da Dilma e Lula. Só se justifica pela lógica da meta de aumentar 60% a venda de camisetas lacoste. E MArina pra presidente não mudaria esse problema do consumo sem fundamento, acho que só o Plinio de Arruda Sampaio nos redimiria desta insensatez que acreditamos sem pensar, o shoping imenso que virou o Brasil.  

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