quinta-feira, 9 de agosto de 2012

De holocaustos bem discursados o tribunal de Haia esta cheio: 20 anos da lei antimanicomial

Filme ; "Menos que Nada" - De Carlos Gerbase

Os 20 anos da reforma psiquiátrica no Rio Grande do Sul: um holocausto bem intencionado

O modelo do manicômio é uma herança de 100 anos que não se renovou, e muito nos envergonha. O fim do manicômio foi proposto, em lei, pelo partido dos trabalhadores no Rio Grande do Sul em 9 de novembro, há exatos 20 anos. Portanto hoje é um bom dia para avaliarmos a eficiência em Porto Alegre dos assim denominados “modelos alternativos”.

Pela proposta da época, o fechamento dos leitos para doentes crônicos viria acompanhado de simultânea construção de redes alternativas, multidisciplinares Este atendimento seria prioritariamente ambulatorial e, se não evitasse a doença crônica, pelo menos manteria os vínculos familiares e sociais dos doentes.

Infelizmente esse modelo “alternativo” não foi implementado de fato. O pouco que se fez, não tem escala, não atende nem 10% da demanda real. O atendimento que dá é antiético, tecnicamente errado.  O doente crônico segue existindo, porém não esta mais abrigado no manicômio. O que não significa que esteja em posição muito melhor. Hoje este doente esta em prisões, é morador de rua, esta na Febem, esta preso no vício das drogas, veio a falecer por crise psiquiátrica (suicídio, quadro psicótico) ou por  doença de clínica geral (tuberculose, AIDS, por exemplo). Muitos, entre os com mais dinheiro, estão em novos manicômios muito mais perigosos, pois privados (fazendas religiosas, clínicas geriátricas): em um hospital privado, maior é o risco de se evitar a alta por ganhos econômicos.

Foi implementada a destruição do antigo modelo com rapidez, inclusive pelo custo do leito do doente crônico que é muito elevado. E nada foi feito de alternativo. São vinte anos deste projeto “antimanicomial”, que de fato é uma teoria a serviço de mais morbi-mortalidade. E nenhuma ideia justifica uma morte humana. Teoria inclusive não exatamente nova, pois remete a Pinel e seu gesto clássico de soltar os doentes das amarras.

A população de doentes psiquiátricos crônicos é uma população especialmente vulnerável. Muitas vezes com menos capacidade política de se defender e organizar em torno de seus direitos, também é população com menos vínculos familiares, com menos recurso econômico. A doença empobrece afetiva e economicamente. Portanto é uma população que não pode se defender bem de seus “libertadores”.

Como estes 20 anos de falta de leito significaram um número expressivo de mortes e também de sofrimento (pais com filhos acorrentados em casa são apenas a manchete de uma realidade muito maior), podemos falar que a ideologia antimanicomial, de forma análoga ao nazismo, é uma ideia a serviço de morte de seres humanos. De um grupo de seres humanos mais frágeis, com menos capacidade de se defender desta ideologia. Também em paralelo ao nazismo, esta ideologia provocou um holocausto, a morte sistemática em 20 anos de um número expressivo de pessoas por falta de recursos médicos que existem (leito e psicofármacos evitariam estas mortes) e deveriam ter sido oferecidos pelo estado.

Como uma forma de marcar os 20 anos desta omissão, parece pertinente a sugestão ao sindicato médico, ou para alguma associação de psiquiatras, ou de familiares de doentes psiquiátricos,  que entre com uma representação em órgão internacional pedido julgamento do que tem a marca dos crimes contra a humanidade. Os autores do movimento hoje ocupam altos cargos tanto no governo petista estadual, quanto no governo federal: são responsáveis tanto pela desassistência do fechamento do leito manicomial, quanto pela não construção de algo alternativo.  Seja na OEA, ou no tribunal de Haia, podem e devem ser responsabilizados pela mortandade que o fechamento puro e simples de leitos psiquiátricos causou. Hoje é um bom dia para a abertura de uma denúncia destas. Vinte anos de uma teoria já são uma prática: uma prática pior que o manicômio que a teoria denunciava. Como dizia aquele velho professor sobre as ideias em psiquiatria: as teorias são uma beleza, o diabo é quando os dados da prática teimam em desmenti-las.

domingo, 5 de agosto de 2012

Por que "permissão" funcionaria no Cais, se não funcionou com a mamata dos pedágios?

O modelo de "permissão" de um serviço público dada pelo estado para a execução pela iniciativa privada não tem funcionado. Recentemente o governador do Rio Grande do Sul, ao retomar o gerenciamento dos pedágios gaúchos, resumiu a experiência de 20 anos de permissão com o termo "mamata". Mas não apenas as estradas gaúchas são um exemplo do engano que é o modelo de "permissões". Em qualquer plano em que se examine, o modelo é um desastre: nas telecomunicações, a qualidade educativa das emissoras é ruim, no plano da telefonia há muito mais lucro que investimento,  a energia elétrica é cara. Na aposentadoria privada, os bancos mais cobram que dão garantias aos idosos, o sistema de saúde complementar não tem vagas de internação nem horários de consulta.
O sistema de permissão portanto é um fracasso como realidade, ainda que apelativo como teoria. O motivo de tamanha difernça entre teoria e prática é a parcialidade do estado como "moderador", ou "fiscalizador" do capital. Em uma figura de três lados, o estado dá a permissão, o capital executa e o público é "atendido" pelo capital. Contudo o estado é altamente sensível ao capital, e menos favorável ao público. No nosso país, o modelo de permissões fracassou pois o estado não fiscaliza coisa alguma, inclusive se associa ao capital no deserviço a população.
Com este pano de fundo, com o amadurecimento que temos hoje do fiasco que é modelo de "permissões", ainda acreditariamos que tal modelo poderia ser o melhor para o gerenciamento da região do cais durante cinquenta anos? Por que funcionaria com o cais o que não deu certo em 20 anos com os pedágios? Por que funcionaria agora se em todos os exemplos que temos foi uma "mamata" sem ganho para a população?

O projeto YEDA-Fortunati de revitalização faz água

Cais Mauá: atrasos e incertezas

Por Paulo Muzell
A falta de transparência, desde o início, foi a marca registrada deste projeto. No final do ano passado o governo Tarso conseguiu superar o principal entrave – uma ação judicial interposta pela Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (ANTAQ) -, e o início das obras foi anunciado para o mês de agosto que ora se inicia. No entanto, é dado como certo que as obras não começarão antes de janeiro de 2013 e até há dúvidas se sairá do papel.
O governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati) aprovou profundas alterações no plano diretor da cidade, modificando zoneamentos de uso, densidades demográficas, alturas, índices de aproveitamento numa extensa área central da cidade, o “funil” que vai da rodoviária até a Usina do Gasômetro. Tudo, é claro, para viabilizar os grandes empreendimentos previstos: hotel, shopping, centro de convenções, dentre outros.
A Secretaria do Planejamento Municipal (será que merece ou faz jus a esta denominação?) propôs as alterações sem que existissem estudos – mesmo que preliminares – sobre os impactos urbanísticos e ambientais do empreendimento e as necessárias e difíceis soluções para o agravamento da mobilidade urbana. Não foram definidas e acertadas as contrapartidas do empreendedor, citou-se vagamente que o investimento totalizaria algo em torno dos 500 milhões de reais sem que fosse apresentado o cálculo da taxa interna de retorno, peça fundamental para se avaliar os termos negociais da relação público-privada. Um verdadeiro absurdo!
Decorridos oito meses, neste final de julho, o Jornal do Comércio (JC) procurou o diretor-executivo da empresa Porto Cais Mauá pedindo explicações sobre o atraso no cronograma original. Obteve respostas vagas. O jornalista autor da matéria reclama da falta de transparência e consegue apenas informações de um agente “anônimo” do consórcio vencedor que acompanha o projeto. Ele afirma, otimista, que as negociações estão em fase final e que os recursos serão captados no próprio país e não na Europa, conforme anteriormente anunciado. A reportagem do JC tentou confirmar esta informação com o escritório de Jaime Lerner e não teve retorno.
Já o engenheiro Hermes Vargas dos Santos, presidente do sindicato dos engenheiros do Rio Grande do Sul (SENGE-RS) discorda do “agente anônimo” do consórcio e afirma que o atraso é preocupante. “Este é um processo que começou muito mal”, afirma Santos. “A licitação foi direcionada para um dos interessados, impossibilitando a participação de outros candidatos que não tiveram as mínimas condições de atender os requisitos do edital. ”E mais: quem elaborou o edital e as especificações, posteriormente fez parte, apresentou proposta e venceu a licitação: o escritório do arquiteto Jaime Lerner.”
Se o projeto vai se viabilizar, pelo que se constata, não há certeza. Mas o plano diretor da área já foi alterado, permitindo alturas, densidades e índices de aproveitamento excepcionais, extremamente elevados.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Argumentos científicos contra o aborto



Do ponto de vista dos estudos da senescência e morte celular, o exato ponto da morte é um mistério. Quando a vida acaba? Não se sabe. Existem fronteiras arbitrárias, estabelecidas mais pela medicina forense, ou pela medicina de transplantes, mas do ponto de vista da ciência das células, a morte é mais bem um processo, antes que um evento marcado, um ponto específico.

O problema é que este processo de morte e envelhecimento pode, em um sentido mais amplo, se iniciar quando nascemos. Envelhecer não se iniciaria assim na manha em que aniversariamos 60 anos: seria um processo que se inicia no dia em que nascemos.

Perguntada com serenidade, a ciência não tem um ponto exato de certeza para nos afirmar quando a vida acaba, sendo inclusive possível dizer, cientificamente, que acaba um pouco cada dia, como uma vela.

Portanto, o fim de uma vida é um “mistério da ciência”, para fazer uma analogia ao mistério da fé. E seu inicio, também.

Quando a vida humana, do ponto de vista da polêmica do aborto, se inicia? Por que apenas depois que nasce o sistema nervoso central? Então estamos tomando da religião, emprestada, a noção de alma?

Felizmente sou ateu da pedra, acho que evangélico deve cuidar de seu rabo de cavalo e deixar os deputados em paz, tenho uma fé religiosa na ciência: em uma palavra, sou médico. Mas não estou tão seguro que saibamos quando a vida humana se inicia: nesse campo tudo é mistério, tudo é incerteza científica, tudo é amor.

A mulher tem direito em decidir sobre seu corpo, sim, mas sobre o seu. O problema do feto é que ele – ao longo de um processo- já é um outro corpo.

Quando devemos matar vovó, enterrando-a viva pois ela já não pode mais ser chamada de vida humana? E a mulher que cuida da vovó, por estar muito cansada, não tem o direito a decidir quando abandonar vovó na neve, para seguir sua vida?

O ponto que fundamentalmente interessa a ética aqui é que mesmos atos (morte de animais) objetivos não diferem conforme diferentes justificativas ou intenções (mato um rato para experiência científica pelo bem da humanidade; ou mato um touro por estética em Sevilha: é a mesma ação e, do ponto de vista do animal, são atos iguais). Os motivos não relativizam os atos idênticos, ou não fazem deles atos diferentes. Se posso matar uma quase "criança", por ser parcialmente uma criança, por que não posso matar um quase defunto (um paciente terminal), por achar tudo aquilo indigno de ser denominado de vida humana, até por amor? E a resposta é: por que não sei nada sobre isso, não sei quando a morte de fato aconteceu, e -dada a por dizer de alguma forma, "insegurança jurídica"- não tenho direito de decidir pela pessoa (seja o idoso, seja o feto).

Um outro ponto filosófico interessante desta questão é que partes são sim detentoras de direitos do todo, quando falamos de processos: uma quase criança, em processo de formação e organização, terá que ter os direitos plenos de um ser total humano, mesmo sem ser um ser total ainda. MAs tem potencial. Neste campo, um abortamento de anencéfalo seria mais ético (por ser o anencéfalo inviável) do que de um abortamento de criança viável.


Se cérebro é definidor de vida humana, um sujeito com Síndrome de Down não seria humano? Podemos fazer o aborto até o terceiro mês, pois como não há sistema nervoso central, não existe vida humana. O problema é que a consciência esta alterada e até apagada em diversas formas de vida humana:  nos sujeitos em coma, em diversas doenças mentais, na doença de alzheimer, nas pessoas em vida vegetativa. O princípio da vida humana estar no “cérebro” é, portanto, um precedente perigoso. 

Na impossibilidade de um ponto exato de definição de onde a vida humana começa, a questão do “outro”, e de seu direito a vida, e a decidir, estará sempre colocada. E como criança não pode decidir nada, o único momento ético de perguntar ao feto se ele deseja ou não viver é com 18 anos.

O fato da ciência não saber onde se inicia a vida, onde ela acaba, nos mostra que nem toda verdade é científica. Existem verdades e dúvidas científicas. Também existem verdades pessoais, verdades religiosas e verdades de mistérios. Existem verdades morais. Existem verdades de amor: o feto é uma verdade de amor. O legislativo nem sempre precisa, para ser laico, se basear em verdades “científicas”: o princípio de não roubar na administração pública (deve ter – ou urge que se faça- uma lei sobre o tema) não decorre de  nenhuma verdade científica nem religiosa; vem sim de uma verdade moral.  E é um bom princípio. Nem tudo que é do terreno da "moral" é feio, evangélico, retrógrado ou errado: não matar é mais que um preceito religioso, é um avanço da civilização como um todo.

Pelo princípio da dúvida (não sabemos o que é vida e onde ela inicia), pelo princípio do espelhamento (se eu tenho direito a decidir viver e morrer, o feto também terá), e sobretudo, pelo princípio da prudência (como não sei nada, melhor não legislar: o popular “na dúvida, não ultrapasse”), é melhor usar outro método de anticoncepção. Eis o mistério da vida. E o que vocês queriam com tanto erotismo à serviço da sociedade de consumo, só poderia dar em acidente mesmo.

Seguidores