Uma questão
que não encontra explicação fácil é como que evidências mais ou menos prováveis
de corrupção do governo Dilma não afetam os índices de popularidade e de
intenção de voto do continuísmo. O eleitor estaria curado de espantos, não mais
levaria em consideração a moralidade? Os oposicionistas também roubam e
portanto a corrupção do governo não é um tema que deveríamos prestar a atenção?
Sob
forma de ironia, o jornalista Fred Navarro se perguntava se divulgar um novo
ilícito do governo petista não aumentaria a sua popularidade. E pensando sem
ironia, acaso não seria possível de fato que o mal estivesse aumentando a popularidade
do governismo?
Pensando
em coisas assim, fui na feira de domingo e lá encontrei carros estacionados
sobre a calçada. A população, de forma muito resignada, se adaptava muito bem
ao “pequeno” ilícito. Na verdade, ninguém nem via que estacionar na calçada é
um ilícito. E como é que no nosso meio somos tão tolerantes com o erro, mesmo os
malfeitos em que nós somos vítimas? Tirei a foto abaixo da cena dos carros na
calçada e da população convivendo numa boa com o “estorvo que todos nos
resignamos”.
E
como é a nossa resignação essa? Uma hipótese é que um ilícito que se pratica
junto não é um ilícito, é uma nação. Num país que todos temos uma relação de
identidade com o ilícito, temos mais dificuldade em recriminar o ilícito dos
outros, pois vemos positivamente nosso próprio ilícito. Muitos cruzamos o sinal
vermelho, ou colocamos o carro na calçada se preciso. Muitos colocamos menos
moedas no parquímetro que o tempo que sabemos que vamos usar. E em uma nação
fundada no ilícito coletivo, como jogar a primeira pedra?
Nossa
resignação com o ilícito chega próxima da admiração? Sim, nós brasileiros não
acreditamos no coletivo, no contrato social. O que é adequado, dada nossa
história escravocrata e barbaramente exploratória. O social é o lobo do homem,
pelo menos do homem brasileiro. E sacanear o coletivo é um heroísmo, não um
opróbio. Na Alemanha, o cidadão preza e defende o estado e o coletivo. Também
pudera, o cidadão deve muito e recebeu muito do estado e do coletivo e do
contrato social. No Brasil não. Roubar, em especial do Estado vilão é um favor,
pois o Estado é o vilão.
E
é por coisas assim que acho que Fred Navarro está correto quando diz que
roubando o Estado, o político cresce aos olhos do povo, como um Robin Hood que realizou
o sonho coletivo de todos, que todos tem direto de querer, de ganhar na
loteria. Quem recrimina Dilma pelos malfeitos é um ciumento.
Um
segundo motivo para o ilícito pegar tão bem no Brasil é que ele é pareado com
libido pelo eleitor médio. E a libido é um tema muito popular por aqui. Recriminar
o roubo é moralismo, quase que de uma igreja falsamente moralista com a libido
de todos. De fato, tanto a libido quando o roubo lidam com transcender o
manifesto da ordem social para explicitar algo mais importante, e escondido, no caso da corrupção a ganância, no caso da
libido o tesão. O Brasileiro não vê muito problema em explicitar seus desejos.
E de fato, não existe muito problema em um político deixar claro que esta aí
para roubar. Isso não queima sua reputação com eleitor médio que pensa: eu
também já fui a um motel sendo casado, quem sou eu pra recriminar uma Pasadena
de nada? E a postura do governo de não falar sobre o tema combina com esse
princípio: o que uma presidenta faz entre quatro paredes com o dinheiro público
é assunto exclusivamente da moral dela, não cabe dar explicações sobre o que é
íntimo.
Quando
um presidente, e estamos falando de presidentes petistas, que fundaram essa
tradição, diz que “não sabia”, novamente é no campo da libido que devemos
buscar perdoa-los. Se por ingenuidade, sem ter a mínima noção que o sedutor
iria não cumprir sua palavra de colocar só a pontinha, a presidenta do conselho
foi induzida ao erro, ela tem que ser perdoada. Pois ingenuamente a usaram. Toda
a castidade volta a se configurar entre os ingênuos. Uma conjunção carnal, em
que um participante “não sabia” , é uma conjunção sem culpa, pois sem desejos sacanas
por parte do trepante. E o brasileiro entende que quem não sabia, não desejava,
não pecou.
Assim
que chegamos ao segundo turno oficializando nossa anuência com os malfeitos,
que tão mais malfeitos serão agora feitos com a legitimidade do povo, seja pois
não vemos o ilícito, nos identificamos com o bandido, detestamos as jóias da viúva,
somos todos meio safadinhos, meio Ze´Cariocas, e naõ estamos aqui para
recriminar ninguém que fez um deslize engando por um sedutor habilidoso.