terça-feira, 14 de outubro de 2014

um ilícito que se sonha junto é uma reeleição consagradora


Uma questão que não encontra explicação fácil é como que evidências mais ou menos prováveis de corrupção do governo Dilma não afetam os índices de popularidade e de intenção de voto do continuísmo. O eleitor estaria curado de espantos, não mais levaria em consideração a moralidade? Os oposicionistas também roubam e portanto a corrupção do governo não é um tema que deveríamos prestar a atenção?
                Sob forma de ironia, o jornalista Fred Navarro se perguntava se divulgar um novo ilícito do governo petista não aumentaria a sua popularidade. E pensando sem ironia, acaso não seria possível de fato que o mal estivesse aumentando a popularidade do governismo?
                Pensando em coisas assim, fui na feira de domingo e lá encontrei carros estacionados sobre a calçada. A população, de forma muito resignada, se adaptava muito bem ao “pequeno” ilícito. Na verdade, ninguém nem via que estacionar na calçada é um ilícito. E como é que no nosso meio somos tão tolerantes com o erro, mesmo os malfeitos em que nós somos vítimas? Tirei a foto abaixo da cena dos carros na calçada e da população convivendo numa boa com o “estorvo que todos nos resignamos”.
                E como é a nossa resignação essa? Uma hipótese é que um ilícito que se pratica junto não é um ilícito, é uma nação. Num país que todos temos uma relação de identidade com o ilícito, temos mais dificuldade em recriminar o ilícito dos outros, pois vemos positivamente nosso próprio ilícito. Muitos cruzamos o sinal vermelho, ou colocamos o carro na calçada se preciso. Muitos colocamos menos moedas no parquímetro que o tempo que sabemos que vamos usar. E em uma nação fundada no ilícito coletivo, como jogar a primeira pedra?
                Nossa resignação com o ilícito chega próxima da admiração? Sim, nós brasileiros não acreditamos no coletivo, no contrato social. O que é adequado, dada nossa história escravocrata e barbaramente exploratória. O social é o lobo do homem, pelo menos do homem brasileiro. E sacanear o coletivo é um heroísmo, não um opróbio. Na Alemanha, o cidadão preza e defende o estado e o coletivo. Também pudera, o cidadão deve muito e recebeu muito do estado e do coletivo e do contrato social. No Brasil não. Roubar, em especial do Estado vilão é um favor, pois o Estado é o vilão.
                E é por coisas assim que acho que Fred Navarro está correto quando diz que roubando o Estado, o político cresce aos olhos do povo, como um Robin Hood que realizou o sonho coletivo de todos, que todos tem direto de querer, de ganhar na loteria. Quem recrimina Dilma pelos malfeitos é um ciumento.
                Um segundo motivo para o ilícito pegar tão bem no Brasil é que ele é pareado com libido pelo eleitor médio. E a libido é um tema muito popular por aqui. Recriminar o roubo é moralismo, quase que de uma igreja falsamente moralista com a libido de todos. De fato, tanto a libido quando o roubo lidam com transcender o manifesto da ordem social para explicitar algo mais importante, e escondido,  no caso da corrupção a ganância, no caso da libido o tesão. O Brasileiro não vê muito problema em explicitar seus desejos. E de fato, não existe muito problema em um político deixar claro que esta aí para roubar. Isso não queima sua reputação com eleitor médio que pensa: eu também já fui a um motel sendo casado, quem sou eu pra recriminar uma Pasadena de nada? E a postura do governo de não falar sobre o tema combina com esse princípio: o que uma presidenta faz entre quatro paredes com o dinheiro público é assunto exclusivamente da moral dela, não cabe dar explicações sobre o que é íntimo.
                Quando um presidente, e estamos falando de presidentes petistas, que fundaram essa tradição, diz que “não sabia”, novamente é no campo da libido que devemos buscar perdoa-los. Se por ingenuidade, sem ter a mínima noção que o sedutor iria não cumprir sua palavra de colocar só a pontinha, a presidenta do conselho foi induzida ao erro, ela tem que ser perdoada. Pois ingenuamente a usaram. Toda a castidade volta a se configurar entre os ingênuos. Uma conjunção carnal, em que um participante “não sabia” , é uma conjunção sem culpa, pois sem desejos sacanas por parte do trepante. E o brasileiro entende que quem não sabia, não desejava, não pecou.
                Assim que chegamos ao segundo turno oficializando nossa anuência com os malfeitos, que tão mais malfeitos serão agora feitos com a legitimidade do povo, seja pois não vemos o ilícito, nos identificamos com o bandido, detestamos as jóias da viúva, somos todos meio safadinhos, meio Ze´Cariocas, e naõ estamos aqui para recriminar ninguém que fez um deslize engando por um sedutor habilidoso.

                

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