Do ponto de vista dos estudos da senescência e morte celular, o exato ponto da morte é um mistério. Quando a vida acaba? Não se sabe. Existem fronteiras arbitrárias, estabelecidas mais pela medicina forense, ou pela medicina de transplantes, mas do ponto de vista da ciência das células, a morte é mais bem um processo, antes que um evento marcado, um ponto específico.
O problema é que este processo de morte e envelhecimento pode, em um sentido mais amplo, se iniciar quando nascemos. Envelhecer não se iniciaria assim na manha em que aniversariamos 60 anos: seria um processo que se inicia no dia em que nascemos.
Perguntada com serenidade, a ciência não tem um ponto exato de certeza para nos afirmar quando a vida acaba, sendo inclusive possível dizer, cientificamente, que acaba um pouco cada dia, como uma vela.
Portanto, o fim de uma vida é um “mistério da ciência”, para fazer uma analogia ao mistério da fé. E seu inicio, também.
Quando a vida humana, do ponto de vista da polêmica do aborto, se inicia? Por que apenas depois que nasce o sistema nervoso central? Então estamos tomando da religião, emprestada, a noção de alma?
Felizmente sou ateu da pedra, acho que evangélico deve cuidar de seu rabo de cavalo e deixar os deputados em paz, tenho uma fé religiosa na ciência: em uma palavra, sou médico. Mas não estou tão seguro que saibamos quando a vida humana se inicia: nesse campo tudo é mistério, tudo é incerteza científica, tudo é amor.
A mulher tem direito em decidir sobre seu corpo, sim, mas sobre o seu. O problema do feto é que ele – ao longo de um processo- já é um outro corpo.
Quando devemos matar vovó, enterrando-a viva pois ela já não pode mais ser chamada de vida humana? E a mulher que cuida da vovó, por estar muito cansada, não tem o direito a decidir quando abandonar vovó na neve, para seguir sua vida?
O ponto que fundamentalmente interessa a ética aqui é que mesmos atos (morte de animais) objetivos não diferem conforme diferentes justificativas ou intenções (mato um rato para experiência científica pelo bem da humanidade; ou mato um touro por estética em Sevilha: é a mesma ação e, do ponto de vista do animal, são atos iguais). Os motivos não relativizam os atos idênticos, ou não fazem deles atos diferentes. Se posso matar uma quase "criança", por ser parcialmente uma criança, por que não posso matar um quase defunto (um paciente terminal), por achar tudo aquilo indigno de ser denominado de vida humana, até por amor? E a resposta é: por que não sei nada sobre isso, não sei quando a morte de fato aconteceu, e -dada a por dizer de alguma forma, "insegurança jurídica"- não tenho direito de decidir pela pessoa (seja o idoso, seja o feto).
Um outro ponto filosófico interessante desta questão é que partes são sim detentoras de direitos do todo, quando falamos de processos: uma quase criança, em processo de formação e organização, terá que ter os direitos plenos de um ser total humano, mesmo sem ser um ser total ainda. MAs tem potencial. Neste campo, um abortamento de anencéfalo seria mais ético (por ser o anencéfalo inviável) do que de um abortamento de criança viável.
O ponto que fundamentalmente interessa a ética aqui é que mesmos atos (morte de animais) objetivos não diferem conforme diferentes justificativas ou intenções (mato um rato para experiência científica pelo bem da humanidade; ou mato um touro por estética em Sevilha: é a mesma ação e, do ponto de vista do animal, são atos iguais). Os motivos não relativizam os atos idênticos, ou não fazem deles atos diferentes. Se posso matar uma quase "criança", por ser parcialmente uma criança, por que não posso matar um quase defunto (um paciente terminal), por achar tudo aquilo indigno de ser denominado de vida humana, até por amor? E a resposta é: por que não sei nada sobre isso, não sei quando a morte de fato aconteceu, e -dada a por dizer de alguma forma, "insegurança jurídica"- não tenho direito de decidir pela pessoa (seja o idoso, seja o feto).
Um outro ponto filosófico interessante desta questão é que partes são sim detentoras de direitos do todo, quando falamos de processos: uma quase criança, em processo de formação e organização, terá que ter os direitos plenos de um ser total humano, mesmo sem ser um ser total ainda. MAs tem potencial. Neste campo, um abortamento de anencéfalo seria mais ético (por ser o anencéfalo inviável) do que de um abortamento de criança viável.
Se cérebro é definidor de vida humana, um sujeito com Síndrome de Down não seria humano? Podemos fazer o aborto até o terceiro mês, pois como não há sistema nervoso central, não existe vida humana. O problema é que a consciência esta alterada e até apagada em diversas formas de vida humana: nos sujeitos em coma, em diversas doenças mentais, na doença de alzheimer, nas pessoas em vida vegetativa. O princípio da vida humana estar no “cérebro” é, portanto, um precedente perigoso.
Na impossibilidade de um ponto exato de definição de onde a vida humana começa, a questão do “outro”, e de seu direito a vida, e a decidir, estará sempre colocada. E como criança não pode decidir nada, o único momento ético de perguntar ao feto se ele deseja ou não viver é com 18 anos.
O fato da ciência não saber onde se inicia a vida, onde ela acaba, nos mostra que nem toda verdade é científica. Existem verdades e dúvidas científicas. Também existem verdades pessoais, verdades religiosas e verdades de mistérios. Existem verdades morais. Existem verdades de amor: o feto é uma verdade de amor. O legislativo nem sempre precisa, para ser laico, se basear em verdades “científicas”: o princípio de não roubar na administração pública (deve ter – ou urge que se faça- uma lei sobre o tema) não decorre de nenhuma verdade científica nem religiosa; vem sim de uma verdade moral. E é um bom princípio. Nem tudo que é do terreno da "moral" é feio, evangélico, retrógrado ou errado: não matar é mais que um preceito religioso, é um avanço da civilização como um todo.
Pelo princípio da dúvida (não sabemos o que é vida e onde ela inicia), pelo princípio do espelhamento (se eu tenho direito a decidir viver e morrer, o feto também terá), e sobretudo, pelo princípio da prudência (como não sei nada, melhor não legislar: o popular “na dúvida, não ultrapasse”), é melhor usar outro método de anticoncepção. Eis o mistério da vida. E o que vocês queriam com tanto erotismo à serviço da sociedade de consumo, só poderia dar em acidente mesmo.