terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dilma: um pouco de luz para todos é diferente de muita luz para todos

O que a barragem do rio Pelotas, privada e fraudulenta (aprovada com ajuda da ministra da pesca Ideli Salvati) destruiu de meio ambiente ao ser construida, com laudo fraudados do Ibama, condenada pela justiça de SC,  para gozo supérfulo de uma sociedade viciada em gasto perdulário e fútil de energia.




O governo Brasileiro em 2003, quando a presidente Dilma ainda era ministra de minas e energia, lançou o programa “luz para todos”. Frente aos recordes sucessivos de consumo de luz no verão escaldante e subsaariano do Brasil, estamos tendo que nos perguntar: “toda a luz que todos desejarem, o tempo todo?”. Por que toda luz que cada um bem entender é bom para “todos”, os humanos. Já para peixes, árvores e demais assemelhados, quanto mais luz, menos rio virgem de hidroelétricas, menos florestas, mais chuvas ácidas (termoelétricas), menos amazonas (Belo Monte), mais usinas nucleares. No exemplo fala-se em luz, mas o mesmo vale para proteína (carne) para todos, ou para automóveis para todos: mais consumo, mais preço ambiental.
                A incorporação de parcelas exponencialmente maiores de consumidores de comida nos países do BRIC, que antes não comiam, esta elevando perigosamente o preço da comida. E tendo impacto importante nas áreas devastadas de florestas no Brasil. O poder de consumo maior do brasileiro esta permitindo que um número crescente de pessoas compre um aparelho de ar condicionado, ou mesmo um ventilador. A uma maior “justiça térmica” , corresponde um governo sempre correndo atrás para aumentar o fornecimento de energia elétrica. Um economista chamaria este aumento de consumo de “desenvolvimento”; um ecologista não. A presidente Dilma certamente sim. A candidata Marina Silva lamentavelmente acho que também sim, já que tem como discurso uma abstrata e pouco clara possibilidade de integração entre os imperativos da economia e os do meio ambiente.
                Num determinado sentido, objetivos econômicos e objetivos de preservação da natureza são sim irreconciliáveis. O real problema do projeto de “toda luz que cada um bem entender”, é que trata-se de uma meta tão desejável quanto impossível.  O estado não pode tomar para si a obrigação de satisfazer uma demanda de energia indefinidamente crescente. Não existem recursos infinitos, sempre disponíveis para crescentes demandas. É o fenômeno dos mineiros chilenos antes da chegada de um furo da esperança: água e comida racionados, para durar. Em tempo de insumos finitos, o consumo não é “ad libitum”, nem determinado pela vontade livre do consumidor: e o tema da propriedade privada, como fica numa situação assim? O que o coletivo de mineiros faria com o meu cantil privado de água?
                Um princípio eticamente correto – parcelas maiores de pessoas consumindo ventiladores, carne e carros – é sim contraditório com outro princípio também eticamente correto, preservar o planeta. A justiça da democratização do consumo é incompatível com a "justiça ambiental", em particular depois de certos níveis. E o estado é portanto chamado para uma tarefa mais complexa e – de fato – juridicamente vaga e cheia de desafios: decidir quem, quando e o quanto consumir. O tema ainda não aparece para “energia”, mas já aparece para o uso da água, em conflito entre arrozeiros e a população das grandes cidades no Rio Grande do Sul, em particular em anos de pouca chuva. Em São Paulo, já aparece para o uso de automóveis, submetido a rodízios de placas.
                A entrada da variável “meio ambiente” na equação do consumo de energia modifica diversas perspectivas, e – talvez por serem perspectivas novas – são todas muito difíceis de serem regulamentadas:
1-      Cria a necessidade do coletivo arbitrar e comparar desejos individuais.  Se trabalharmos com a noção recursos finitos, as demandas individuais precisam ser julgadas: o calor que eu sinto é mais incômodo do que a necessidade de lucro da serralheria ao lado, portanto ele trabalha de madrugada para eu poder ligar meu split no meio da tarde. Não é correto uma repartição pública do governo ter ar condicionado em todas as salas gelando, e as escolas públicas não (nem muito menos as privadas). Todas as churrascarias serão proibidas, o vegetarianismo será reforçado por políticas públicas, um bife/dia do tamanho da palma da mão de cada um será o permitido, para sorte das pessoas de mão grande.  Assim como desejos de consumo precisam ser comparados, existem desejos que serão rotulados como impossíveis de serem atendidos.
2-      O governo terá de dizer a verdade para a população: o desejo de mais energia é irrealista, não tem como ser atendido. Se atendido é a um preço ambiental impagável. Portanto vamos dividir a que existe. Se um imperativo mais alto e novo se levanta, ou seja o meio ambiente, o imperativo anterior menos importante, o lucro privado, perde em poder e em prioridade: em uma tarde escaldante, indivíduos terão primazia do uso da energia elétrica para seus splits, em detrimento da indústria e comércio, que precisará diminuir sua atividade (rodízio de lojas nos shopings, diminuição da produção de carros na montadora em Gravataí?). Dar más notícias, rotina para médicos, é menos do hábito dos políticos, selecionados que são pela popularidade. A democracia não esta preparada para "bad news".
3-      As demandas precisarão ser comparadas no mérito de cada uma: o que tenho que fazer com meu carro na rua, quanto tempo acredito que devo ficar no chuveiro elétrico, por que motivo acredito que as luminárias do meu estabelecimento comercial devam ficar toda noite ligadas, ou até que horas acho importante que fiquem acesas.  O princípio do “maior consumo melhor” (que é o princípio capitalista) é então substituído pelo princípio do apenas o consumo necessário é tolerado. Institui-se o "sentido do desejo": desejos sem sentido, depravados, egoístas ou exagerados não serão atendidos.  As dificuldades morais desta nova perspectivas são imensas, já que o indivíduos não tem direito apenas por ter poder aquisitivo. Passa a ter direito  a energia conforme julgamento de outros sujeitos, não mais pelo seu livre desejo. O direito ao uso é condicionado ao sentido, a importância do objetivo, o que além de ser assombrosamente subjetivo, é sempre um julgamento comparativo, e sempre um julgamento de terceiros, não mais um julgamento pessoal.
4- O estado deve satisfazer todo e qualquer apetite? Dito de outra forma: um pai deve alimentar seu filho? sim. Mas e se o filho pesar 150 kg, tiver uma obesidade mórbida, o pai deve fornecer o que o filho bem entender? em termos. O papel do estado é regular este apetite. Não é possível, se o filho for viciado em carbohidratos,  gorduras trans e em  colesterol atende-lo, incondicionalemnte. Na verdade, neste caso, o papel do pai -do bom pai- é regulamentar, limitar, ou pelos menos tratar a bulemia com terapia cognitiva comportamental, cirurgia ou medicamentos. E se para piorar o cenário, o filho glutão for um dos 32 meus companheiros de infortúnio da mina chilena, onde poucas latas de atum são tudo que temos para um tempo indefinido de dias no fundo da terra? Bem, neste caso o filho com transtornos- ou perversões - alimentares vai ter que ter paciência, mas não será atendido em todos os seus caprichos e mimos, e seguramente será um dos que mais vai sofrer em tempo de comida e bebida racionada.  
Portanto, o princípio dos recursos finitos, pelo bem do meio ambiente, inverte tudo: Inverte o olhar cúmplice do governo com o consumo progressivamente maior, inverte a primazia do lucro como valor maior, inverte a obrigação do governo de fornecer toda a luz que se desejar, inverte o poder de compra como único regulador da satisfação de cada demanda: já não consumo o quanto posso, ou quero, e sim o quanto é justo, o quanto tem sentido, o quanto me deixam. É como entre os mineiros, quando o futuro é incerto e os suprimentos racionados, o tanto de atum por dia é discutido e votado, a propriedade privada é um conceito ultrapassado e o dinheiro, bem este não serve para nada, nem o livre arbítrio.
O momento em que vivemos, com as interrupções de luz nas tardes quentes de verão, e com a percepção dos malefícios que novas hidroeletricas causam ao meio ambiente, nos faz ter consenso  que é imoral a proposta de  "muita luz para poucos". Pior ainda, nos faz inicair a pensar que nem temos como atender a proposta de muita luz para muitos. Não queremos nem pensar, e não queremos ter que temer o dia de viver a impossibilidade de "pouca luz para todos".

Seguidores